Acho muito interessante exercícios de “cinema comparado” (assim como existe a literatura comparada”, não?). Em alguns casos, aprende-se muito a respeito da natureza da sétima arte comparando-se a realização de duas fitas sobre um mesmo assunto, ou cotejando-se o “remake” com a obra original. Assim sendo, poderia-se ter uma ótima aula de cinema assistindo-se a dois filmes:
Vôo United 93 (“United 93”, EUA, Inglaterra, França, 2006. Dir.: Paul Greengrass)
Vôo 93 (“Flight 93”, EUA, 2006. Dir.: Peter Markle)
O primeiro é a famosa produção do diretor de Domingo Sangrento (2002) e de A Supremacia Bourne (2004). O segundo é uma produção para a TV. Assistindo a ambos, percebemos claramente os seus propósitos muito diversos, apesar de uma realização parecida em alguns aspectos (a estética 24 Horas de câmera tremida na mão e “chicotes”).
O filme de Greengrass é bem mais interessante, por razões bem simples: “United 93” preocupa-se em esmiuçar objetivamente os fatos (razão óbvia de uma película de reconstituição), sem deixar de atender (muito pelo contrário) ao lado humano da coisa, ao drama. E isto ele faz sem exagerar, explicitar ou banalizar a dose de subjetividade (não podemos dizer o mesmo de “Flight 93”). “United 93” é magnificamente equilibrado e dotado de algumas belas cenas que cantam esse equilíbrio: por exemplo, a montagem paralela, dentro do avião, entre as orações cristãs (o “pai nosso”) dos passageiros prestes a se insurgirem e as orações islâmicas dos terroristas, que já sentem que o plano não vai dar certo. Só essa cena, digna de ser exibida isoladamente, já dá assunto para muita conversa.
Já o filme de Markle cansa... É tudo muito destacado, sublinhado, colocado de maneira clara, inequívoca, afetada e definitiva. Não há a menor sutileza, não há nada nas entrelinhas, o espectador fica numa posição completamente passiva e idiota. Só resta chorar (o filme de Greengrass, por sua vez, não só faz chorar, como faz pensar e quase ter ataque do coração; é tenso, vivo e inteligente). Alguns podem justificar isso pela estética “soap opera” dos dramalhões televisivos “baseados em fatos reais”; mas a coisa é o que é. Mas eu me escuso em um ponto: “Flight 93” também faz rir... sim, nos (muitos) momentos em que os acontecimentos na “chapa quente” do avião são intercalados com planos mostrando as crianças pequenas dos passageiros, as famílias ao telefone. Entendemos o propósito do realizador com essas antíteses, mas a ênfase cansativa faz perder todo o conteúdo dramático e humano, fica meio ridículo. A arte de “United 93” honra melhor a memória dos passageiros e suas famílias do que este filme.
Outro exemplo bastante ilustrativo: a maneira enfática e afetada como “Flight 93” mostra a chegada atrasada do passageiro Mark Bingham ao portão de embarque (quase perdendo o vôo) não passa de estímulo ao fascínio mórbido do espectador. A cena nos leva a pensar: “Nossa! Ah, meu Deus! Mal sabe o coitado... Se ele tivesse perdido o avião...” Uma coisa dessas num filme de suspense ou terror de ficção até passa, mas em uma história baseada em fatos reais e recentes não acho que seja muito sadio. É esclarecedor ver como é que Paul Greengrass filma essa cena: de maneira rápida e sumária, não nos dando tempo para tecer tais reflexões.
Muitos outros pontos dos dois filmes também podem ser discutidos, mas vou parar por aqui. Assista-os e tire as suas próprias conclusões.
Vôo United 93 (“United 93”, EUA, Inglaterra, França, 2006. Dir.: Paul Greengrass)
Vôo 93 (“Flight 93”, EUA, 2006. Dir.: Peter Markle)
O primeiro é a famosa produção do diretor de Domingo Sangrento (2002) e de A Supremacia Bourne (2004). O segundo é uma produção para a TV. Assistindo a ambos, percebemos claramente os seus propósitos muito diversos, apesar de uma realização parecida em alguns aspectos (a estética 24 Horas de câmera tremida na mão e “chicotes”).
O filme de Greengrass é bem mais interessante, por razões bem simples: “United 93” preocupa-se em esmiuçar objetivamente os fatos (razão óbvia de uma película de reconstituição), sem deixar de atender (muito pelo contrário) ao lado humano da coisa, ao drama. E isto ele faz sem exagerar, explicitar ou banalizar a dose de subjetividade (não podemos dizer o mesmo de “Flight 93”). “United 93” é magnificamente equilibrado e dotado de algumas belas cenas que cantam esse equilíbrio: por exemplo, a montagem paralela, dentro do avião, entre as orações cristãs (o “pai nosso”) dos passageiros prestes a se insurgirem e as orações islâmicas dos terroristas, que já sentem que o plano não vai dar certo. Só essa cena, digna de ser exibida isoladamente, já dá assunto para muita conversa.
Já o filme de Markle cansa... É tudo muito destacado, sublinhado, colocado de maneira clara, inequívoca, afetada e definitiva. Não há a menor sutileza, não há nada nas entrelinhas, o espectador fica numa posição completamente passiva e idiota. Só resta chorar (o filme de Greengrass, por sua vez, não só faz chorar, como faz pensar e quase ter ataque do coração; é tenso, vivo e inteligente). Alguns podem justificar isso pela estética “soap opera” dos dramalhões televisivos “baseados em fatos reais”; mas a coisa é o que é. Mas eu me escuso em um ponto: “Flight 93” também faz rir... sim, nos (muitos) momentos em que os acontecimentos na “chapa quente” do avião são intercalados com planos mostrando as crianças pequenas dos passageiros, as famílias ao telefone. Entendemos o propósito do realizador com essas antíteses, mas a ênfase cansativa faz perder todo o conteúdo dramático e humano, fica meio ridículo. A arte de “United 93” honra melhor a memória dos passageiros e suas famílias do que este filme.
Outro exemplo bastante ilustrativo: a maneira enfática e afetada como “Flight 93” mostra a chegada atrasada do passageiro Mark Bingham ao portão de embarque (quase perdendo o vôo) não passa de estímulo ao fascínio mórbido do espectador. A cena nos leva a pensar: “Nossa! Ah, meu Deus! Mal sabe o coitado... Se ele tivesse perdido o avião...” Uma coisa dessas num filme de suspense ou terror de ficção até passa, mas em uma história baseada em fatos reais e recentes não acho que seja muito sadio. É esclarecedor ver como é que Paul Greengrass filma essa cena: de maneira rápida e sumária, não nos dando tempo para tecer tais reflexões.
Muitos outros pontos dos dois filmes também podem ser discutidos, mas vou parar por aqui. Assista-os e tire as suas próprias conclusões.
Flight 93
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