terça-feira, janeiro 16, 2007

Conservação e Invenção


Martin Scorsese, ao receber o Globo de Ouro de melhor diretor por “Os Infiltrados” (The Departed), disse que quis apenas fazer um filme de gângster como os (antigos) da Warner: Anjos da Cara Suja (“Angels With Dirty Faces”, 1938, dir.: Michael Curtiz) e Inimigo Público (“The Public Enemy”, 1931, dir.: William A. Wellman). É claro que um filme de Scorsese será sempre, no final das contas, um filme de Scorsese. Contudo, é interessante pensar nos parâmetros que um artista elege.

Acredito que as grandes obras de arte são as obras-primas e as que têm estas como modelo inspirador. Não se pode nunca perder os clássicos de perspectiva – esta é, aliás, uma das funções dos “clássicos”. O perigo é o artista (geralmente jovem) não estender a sua cultura, a sua bagagem, até as obras mais fundamentais. Um exemplo hipotético: um realizador jovem tem Quentin Tarantino como seu ídolo e quer fazer também um filme de gângster. O mais recomendável, obviamente, é que ele busque estudar, além de Tarantino, as fontes de Tarantino, as fontes das fontes de Tarantino, as fontes das fontes das fontes de Tarantino e assim sucessivamente. Ou, pelo menos, que esse jovem cineasta vá direto à fonte primordial dos filmes de gângster.

Correndo o risco de parecer ranzinza, não vejo muito nos jovens amantes de cinema um entusiasmo muito grande pelo cinema anterior à “nouvelle vague” dos anos 60. Muitas vezes, não vejo sequer um conhecimento básico do cinema realmente “clássico”. Entre jovens cinéfilos, falar que se gosta de Tarantino e de Almodóvar, de Godard e de Fellini é até lugar comum; mas falar que se adora Carl Dreyer, Jean Renoir, John Ford e Fritz Lang não é tão “cool”, tão “hype”...

Os filmes mais antigos acabam sendo mais lembrados por conhecedores e amantes mais profundos do cinema – será que são os únicos a terem paciência para ver, na íntegra e sem cochilar, filmes como Intolerância (1916, dir.: D. W. Griffith, dur.: 197 min.) ou Napoleão (1927, dir.: Abel Gance, dur.: 235 min.)?

Talvez o caráter mais realista da arte cinematográfica e o aspecto mais mercadológico da sua produção sejam responsáveis (em parte) pelo fenômeno. Ninguém, ao pegar um volume de A Ilíada ou de A Divina Comédia, vai reclamar ou pensar: “Que coisa mais velha! Isso não tem nada a ver!” Pode-se ter grande dificuldade na leitura dessas obras, mas os preguiçosos vão desqualificá-las por serem “cabeça” demais, e não por acharem-nas “velhas” demais... Já no cinema, como é comum torcerem-se os narizes para filmes em preto-e-branco! Filme mudo nem se fala... (o trocadilho não foi intencional)

Não sou conservador, mas é preciso manter o equilíbrio exato entre o que se mantém e o que se inventa. Se uma determinada arte se encontra em um momento excessivamente “vanguardista”, defenderei as tradições; se, por outro lado, a arte se acha por demais estagnada, serei o primeiro a pregar a revolução.

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