O letreiro de abertura, explicando em poucas palavras e sobre um fundo negro a crise iniciada 2008 e acrescentando, em parágrafo separado: “This is how things really happened” (eis como as coisas realmente aconteceram), já anuncia e deixa registrado, com a clareza e simplicidade eloquentes de tais palavras, o compromisso do documentário de Charles Ferguson em descortinar a verdade.
Essa introdução, como num sermão barroco, há de disparar um processo de exposição e argumentação que desembocará em uma não menos eloquente peroração, exortando à tomada de atitude política sem a qual se estará condenado a repetir os erros do passado (dolorosamente recente) – e tal conclusão será declamada pela voz em off de Matt Damon e ilustrada por uma bela panorâmica aérea da Estátua da Liberdade.
De maneira simples e bastante didática, imagem e som, vozes e feições dialogam neste filme de intenções compungidamente éticas, ora se complementando, ora se contrapondo. Em tom e postura, Trabalho Interno (“Inside Job”, EUA, 2010) diferencia-se bastante do documentário de Michael Moore sobre o mesmo tema: Capitalismo, Uma História de Amor (“Capitalism: A Love Story”, 2009).
Ferguson é mais sério e mais adulto, possui mais sutileza e classe, sem abandonar de todo algumas ironias bastante corrosivas. No geral, funciona bem nos moldes de uma tese, fazendo-se de uma dissertação audiovisual. A argumentação é bem amarrada no sentido de acusar nominalmente os indivíduos e instituições responsáveis pela catástrofe e apontar o como nenhum deles não só deixou de sofrer qualquer punição legal, como ainda ocupam posições de liderança tanto no setor público quanto no privado.
Contudo, o maior valor deste filme, seja pensado como documento histórico audiovisual, seja como construção dramático-estética, reside nas imagens de entrevistas e depoimentos em que os acusados ou cúmplices das falcatruas gaguejam, silenciam, engolem em seco, mudam de expressão ou de olhar por um segundo que seja, recostam-se na cadeira ou pulam dela: sinais evidentes de que possuem culpa em cartório – por mais que neguem ou desconversem.
A mentira e a insegurança se flagram em pequenos detalhes, em pequenos gestos. Nem o ator mais “oscarizado” do mundo poderia representar com tanta espontaneidade e significado o papel que os autores da crise assumem e renegam a um só tempo neste filme agudo. Se o que inspira os documentários é um princípio ético, nem por isso Trabalho Interno deixa de se aproveitar de um efeito estético – o qual só contribuirá para a melhor persuasão, o que nos faz voltar mais uma vez à dissertação seiscentista.
É na reação imprevista e descontrolada dos personagens que as verdades mais se desvelam. Mesmo que, em alguns momentos, essas reações sejam provocadas pelo entrevistador através de perguntas que miram as obscenas incoerências do discurso deles. Outro elemento de grande força cinematográfica está nas telas pretas que súbita e violentamente cobrem os nossos olhos apenas para que se escreva que este ou aquele “personagem” (não por acaso os mais centrais da crise) não quis dar entrevista.
Isso após a voz de Matt Damon narrar e descrever com minúcias os seus crimes. O efeito retórico de tal construção audiovisual, principalmente da montagem nela envolvida, é digno de um filme que, conforme dissemos, inicia como um documento e termina como um manifesto. “Inside Job” ganhou o Oscar de melhor documentário semana passada. Existe alguém que ainda acredita nesse papo do “fim” da História?
Essa introdução, como num sermão barroco, há de disparar um processo de exposição e argumentação que desembocará em uma não menos eloquente peroração, exortando à tomada de atitude política sem a qual se estará condenado a repetir os erros do passado (dolorosamente recente) – e tal conclusão será declamada pela voz em off de Matt Damon e ilustrada por uma bela panorâmica aérea da Estátua da Liberdade.
De maneira simples e bastante didática, imagem e som, vozes e feições dialogam neste filme de intenções compungidamente éticas, ora se complementando, ora se contrapondo. Em tom e postura, Trabalho Interno (“Inside Job”, EUA, 2010) diferencia-se bastante do documentário de Michael Moore sobre o mesmo tema: Capitalismo, Uma História de Amor (“Capitalism: A Love Story”, 2009).
Ferguson é mais sério e mais adulto, possui mais sutileza e classe, sem abandonar de todo algumas ironias bastante corrosivas. No geral, funciona bem nos moldes de uma tese, fazendo-se de uma dissertação audiovisual. A argumentação é bem amarrada no sentido de acusar nominalmente os indivíduos e instituições responsáveis pela catástrofe e apontar o como nenhum deles não só deixou de sofrer qualquer punição legal, como ainda ocupam posições de liderança tanto no setor público quanto no privado.
Contudo, o maior valor deste filme, seja pensado como documento histórico audiovisual, seja como construção dramático-estética, reside nas imagens de entrevistas e depoimentos em que os acusados ou cúmplices das falcatruas gaguejam, silenciam, engolem em seco, mudam de expressão ou de olhar por um segundo que seja, recostam-se na cadeira ou pulam dela: sinais evidentes de que possuem culpa em cartório – por mais que neguem ou desconversem.
A mentira e a insegurança se flagram em pequenos detalhes, em pequenos gestos. Nem o ator mais “oscarizado” do mundo poderia representar com tanta espontaneidade e significado o papel que os autores da crise assumem e renegam a um só tempo neste filme agudo. Se o que inspira os documentários é um princípio ético, nem por isso Trabalho Interno deixa de se aproveitar de um efeito estético – o qual só contribuirá para a melhor persuasão, o que nos faz voltar mais uma vez à dissertação seiscentista.
É na reação imprevista e descontrolada dos personagens que as verdades mais se desvelam. Mesmo que, em alguns momentos, essas reações sejam provocadas pelo entrevistador através de perguntas que miram as obscenas incoerências do discurso deles. Outro elemento de grande força cinematográfica está nas telas pretas que súbita e violentamente cobrem os nossos olhos apenas para que se escreva que este ou aquele “personagem” (não por acaso os mais centrais da crise) não quis dar entrevista.
Isso após a voz de Matt Damon narrar e descrever com minúcias os seus crimes. O efeito retórico de tal construção audiovisual, principalmente da montagem nela envolvida, é digno de um filme que, conforme dissemos, inicia como um documento e termina como um manifesto. “Inside Job” ganhou o Oscar de melhor documentário semana passada. Existe alguém que ainda acredita nesse papo do “fim” da História?
5 comentários:
Oi, André,
fiquei bem contente em conhecer teu blog também, são raros os blogs complexos sem ser pretensiosos. Ficará adicionado à minha lista também. Vou passar a segui-lo com o Google Reader.
E fico particularmente feliz em poder ler textos sobre filmes que gostaria muito de ter visto, mas não pude por estar fora do país, como Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.
Abraços,
BRUNO
Escrevi um ensaio sobre a crítica lá no blog, meu mestre! Citei um post teu.
Abs!
Valeu, Bruno! Também acompanharei os seus escritos. Há alguns filmes brasileiros mais recentes (como o que você citou e ainda "O Grão") que valem muito a pena, mas já são difíceis de se ver mesmo aqui no Brasil, pois sua distribuição é bem restrita, infelizmente...
Vou lá conferir, Pedro! Valeu!
Parabéns pelo blog e pelo conteúdo de qualidade, ótimos comentários e opiniões sobre os mais diversos filmes.
Abraços
Luiz Guilherme
Opa!
Valeu, Luiz!
Volte sempre...
Postar um comentário