quinta-feira, setembro 02, 2010

Blogueiro não é maloqueiro...


É isso aí, galera! O que é que nós, blogueiros cinéfilos de Pindorama, podemos aproveitar da profissão de fé empreendida pelo nosso companheiro americano Paul Brunick, no texto de ontem? Bem, vou tecer, mais ou menos livremente, algumas digressões um pouco idiossincráticas a respeito de coisas que ele discute, seguindo mais ou menos a ordem da apresentação delas no artigo dele. De resto, engajar-nos-emos (nossa, essa palavrinha não saiu o que eu esperava) em uma conversa através dos eventuais comentários de vocês. Vamos que vamos...

Que a decadência da crítica – e do próprio cinema – tenha encontrado as catracas liberadas com a geração “blockbuster” a partir dos anos 80, isso não é novidade alguma. Mas o “profissional” que escreve resenhas de filmes não pode deixar que a banalização dos meios contamine os seus enunciados, emprenhando-os de lugares-comuns – ainda que estes sejam de crítica e oposição. Desse modo, não dá para simplesmente despachar das vistas qualquer nova empreitada hollywoodiana sob a mira de exclamações do tipo: “o cúmulo da infantilização de Hollywood”, dentre outras que recombinam mais ou menos as mesmas palavras e parecem fazer parte central no caderninho de notas de alguns críticos de grandes jornais.

É cansativo, não? Em princípio, porque tais sentenças, que costumam ser impressas fora de qualquer contextualização e argumentação em formato de texto (naqueles malfadados quadros de “cotações”), parecem sumariamente desqualificar em termos de expressão cultural qualquer coisa ligada à “criança”. Quero dizer, se o crítico não gosta de filmes pueris, os pimpolhos certamente gostarão. O cinema dirigido para estes não é um cinema “menor” – assim como, logicamente, a sua literatura. O problema, na real, é: uma certa “Hollywood”, que costumava dar atenção à gente grande, decidiu mudar de rumo e levar seu espetáculo para outras plateias.

Mas, parafraseando Brunick, uma parcela da crítica parece preferir trabalhar com “nostalgia pré-fabricada”, ao invés de “pensamento histórico aplicado”. De qualquer modo, pode ser que eu é que esteja sendo ingênuo: talvez nenhum jornal ou revista, hoje em dia, se proponham a discutir um pouco mais a fundo e a sério as coisas, cotidianamente (polemização fácil vende bastante, e desconfio que “experts” da estirpe de Diogo Mainardi saibam bem disso).

Enfim, concordamos que os anos 80 foram invadidos por pepitas da natureza de Willow – Na Terra da Magia (“Willow”, EUA, 1988, dir.: Ron Howard); mas havemos de concordar também que a década dos altivos e amedrontadores yuppies também produziu um – verdadeiro – autor como John Hughes, que compôs arranjos mais sofisticados para os “teen movies” (principalmente em O Clube dos Cinco – “The Breakfast Club”, 1985, sua obra-prima), ainda que todo mundo depois dele só tenha avacalhado a melodia – exceto, talvez, por Gus Van Sant.

Então, ninguém discordará de que seja inglória a tarefa de procurar pelos nos ovos de Brett Ratner e Michael Bay (aproveitando-nos do exemplo de Brunick), mas tal situação deverá ser modulada em duas frequências: 1. Há diretores que são comerciais e vão além do comercial – sem deixar de serem comerciais, tais como o supra-citado Hughes (o juízo de valor que se dará a esse paradoxo é justamente um trabalho para o “super-crítico”); 2. Em qualquer porcaria (pense nas piores porcarias mesmo, naqueles pantagruélicos desperdícios de celulose fílmica, como as fitas de Uwe Boll, ou aquelas com Jean-Claude Van Damme), podem ser encontrados ecos de forma e de conteúdo que já animaram as mais altas obras-primas já produzidas pela espécie que domina este planeta – ainda que tais ecos se façam ouvir bem de longe.

É por isso que preciso fazer aqui e agora uma pequena sessão de puxasaquismo sedarasgativo: uma de minhas maiores inspirações para começar a escrever sobre filmes e dar início a este blog foi a coluna Ponto de Fuga, assinada pelo professor e historiador da arte Jorge Coli, publicada aos domingos no caderno “Mais” da Folha de S. Paulo (e que, infelizmente, foi para o saco, na mais recente reforma gráfico-editorial do jornal; não obstante, graças a alguma alma caridosa, uma antologia de seus textos foi reunida em livro e lançada recentemente pela editora Perspectiva).

Coli dedicava-se, na maior parte do tempo, à música e às artes plásticas; mas, quando falava sobre cinema, procurava apontar e estimular reflexões e comparações estético-filosóficas a partir das produções mais rasteiras da indústria (e não estou aqui falando daqueles filmes “ruins” que viram “cult” entre os cinéfilos, estou falando das sessões habituais de “Temperatura Máxima” e “Domingo Maior”). O próprio autor explicou, uma vez, os bem arrazoados motivos de tal proposta. Até hoje, não me esqueço de como ele demonstrou que certa película estrelada por Van Damme – Hell, 2003, dir.: Ringo Lam (?) – era mais FILME do que o “hype” nacional da época, Carandiru (2003, dir.: Hector Babenco).

Assim que inaugurei o Sombras Elétricas, escrevi para ele e conquistei um comentário seu na resenha que fiz do Superman Returns (a terceira postagem deste blog – confira aqui). Que alegria! Enfim, acredito que, para a sobrevivência e desenvolvimento da crítica de cinema – e dos próprios filmes, por que não? – o crítico não deva ter preconceitos, não importa o quão densas sejam as trevas da idade na qual vivemos. Ele pode e deve ter preferências pessoais, é claro, mas isso já é outra coisa.

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É mesmo aterrorizante a intolerância presente nos depoimentos de velhos críticos do “mainstream” e citados por Brunick, a respeito da crítica feita em blogs e seus autores. Por outro lado, como o articulista não deixa de reconhecer, existem de fato bobagens escritas na rede – minha veia professoral sente algum prazer em separar o joio do trigo. E o fato mais importante é que, se a velha guarda não pode ter essa atitude condescendente em relação aos mais jovens, é da responsabilidade destes mostrar que a carapuça não lhes serve, através de muito estudo, leituras e filmes que contribuam para a formação estética, histórica e intelectual do aspirante a crítico de cinema (a tirada que o autor faz com o “Encouraçado Pokémon” é hilária).

Acho, sobretudo, orgasticamente inspirador (um verdadeiro tesão) o exemplo que Brunick toma em relação a Andrew Sarris e Pauline Kael, dois grandes ban-ban-bans da crítica norte-americana. É reconfortante saber que ambos começaram escrevendo DE GRAÇA para qualquer lugar que se dispusesse a publicá-los. E não só concordo com Brunick de que Sarris e Kael não enxergariam os blogueiros como penetras, como acredito piamente que, se eles estivessem começando suas carreiras hoje em dia, muito provavelmente seriam eles próprios donos de blogs. A nova “era de ouro” pode não estar chegando (diferentemente do que acredita o autor); mas, se não houver tais suportes na Internet, com certeza perderemos um ou dois gênios da crítica.

É por esta razão também que, sendo professor, boto muita confiança no poder de cursos, oficinas, grupos de estudo, (cine-) clubes, etc. Não sou tolo o suficiente para achar que educação formal resolve tudo (muito pelo contrário), creio bastante no autodidatismo e no diletantismo “desinteresseiro” (acho que o neologismo é autoexplicativo); mas não há nada como a troca e o exercício coletivo de experiências, dúvidas e pontos-de-vista. O apoio mútuo é o que mais ajuda a despertar e fazer deslanchar novos talentos, seja em comunidades virtuais (sites de relacionamento, associações de blogs), seja nas reais. Mas nestas, é beeeeeem difícil encontrar alguma coisa: em São Paulo, alguém realiza uma oficina de crítica de vez em nunca.

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Outro braço que devemos dar a torcer por Paul Brunick será em relação aos seus tristes comentários sobre o tamanho reduzido dos textos publicados hoje em dia nas mídias impressas. De fato, quando abro a Folha ou o Estado de São Paulo às sextas-feiras, fico quebrando a cabeça para tentar imaginar como é que eu poderia falar sobre, por exemplo, Wall.E (2008) – que eu adorei –; ou sobre Besouro (2009) – que eu odiei –, nas parcas linhas daquelas caixas de texto. Mas que nada! Eu? Eu sou apenas um... rapaz latino-americano. Fico imaginando é Paulo Emílio Salles Gomes escrevendo para a Veja! – (hahaha).

De qualquer maneira, entendamos bem as coisas: a ideia não é que, quanto mais palavras, mais neurônios; mas faço coro a Brunick, quando este diz que “críticos de cinema trabalham melhor quando são capazes de escrever numa variedade de formatos que variam enormemente em volume, estilo retórico e público presumido”. E, retomando o conteúdo dos textos, tendo em vista a enfadonha tarefa de ter que escrever sobre Michael Bay, às vezes os críticos parecem esquecer mesmo de suas outras funções, as quais acho recomendável que sejam exercidas, principalmente, pelo pessoal desamarrado dos blogs. Nas palavras do articulista:

“1. proselitismo em favor dos criativamente triunfantes, mas comercialmente marginais; 2. garimpagem em velhos catálogos à busca de obras-primas não-apreciadas em seu tempo; 3. colocação dos filmes dentro das narrativas mais abrangentes da história das ideias; 4. transformação de gosto pessoal em arte ensaística para o benefício de si própria”. Na imprensa de papel, é natural que tais práticas sejam exceção. Quanto à “blogosfera”, já vi e vejo páginas bem interessantes que se dedicam com coragem e abnegação a esse trabalho “nerd”. Não obstante, a coisa poderia ser mais generalizada, se é para que a próxima era dourada da crítica nasça dentro da rede.

Finalmente, reflitamos um pouco sobre a citação otimista que Brunick faz de Oscar Wilde: “É somente o moderno que sempre sai de moda”. Isso pode ser lido em duas chaves: 1. A auto-indulgência de qualquer vanguardismo masturbatório é estéril, seja este encarnado na forma de um filme, diretor ou movimento (já fui taxado de reacionário por defender tais posições, mas tenhamos um pouco de discernimento aqui, pessoal: existem vanguardas e “vanguardas” – dentre as últimas, os epígonos constituem a espécie mais abjeta que rasteja pela face da Terra);

2. Por mais que o capitalismo permaneça nos empurrando goela abaixo Brett Ratners e Michael Bays da vida, não são eles que ficarão para a história, assim como não ficaram nenhum dos “romancistas” que escreviam rentáveis folhetins como deviam usar papel higiênico, durante o industrioso século XIX – no lugar deles, temos hoje um Balzac. Pense nisso. Ousando contrariar Brunick, vamos dizer que nem sempre o capitalismo “acha um jeito”. Ufa! Acho que, por hoje, é isso mesmo. Assim que sair o próximo número da Film Comment (e eu conseguir comprá-lo, logicamente), tentarei traduzir, publicar e comentar aqui a parte final do texto de Paul Brunick. Falou!

4 comentários:

Bernardo Versiani disse...

(mais um) excelente texto...

destaco o parágrafo que fala sobre a condescendência da 'velha guarda' com a garotada de hoje...

é importante que os blogueiros sejam respeitados, mas é tão (ou mais) importante que eles conquistem este respeito...

já esbarrei com muito blog por aí repleto de preconceitos idiotas com relação a filmes antigos, europeus, etc... assim, a 'nossa' imagem vai pro brejo...

e sobre o John Hughes, acho 'Curtindo A Vida Adoidado' sua Obra-Prima... mas 'O Clube dos Cinco' é lindão mesmo...

Wally disse...

Muito boa sua cobertura deste artigo. E esta é uma discussão que vai muito longe ainda.

Ana Carolina disse...

andré, nada a ver comentar isso nesse post, mas enfim.. vc nunca escreveu nada aqui sobre 'fale com ela'? e sobre 'cinema paradiso'? gosto de ler suas críticas, e como estes são alguns dos meus filmes preferidos, gostaria de saber sua opinião sobre eles... um abraço!

André Renato disse...

Valeu, Wally! O que tem que ser discutido será discutido até o fim...

Ana: Imagina, qualquer comentário é válido, expresse-se! :) Nunca escrevi sobre Almodóvar. Acho-o legal, mas confesso que não sou fã não... "Cinema Paradiso" eu vi uma vez só há muuuito tempo, procurarei revê-lo e, dependendo do efeito que provocar em mim, poderei escrever algo...