Aviso preliminar: o texto abaixo não contém muito do que se chama “spoilers”, mas o filme de que ele trata é daqueles em que o melhor é assistir sem que se possua qualquer informação a seu respeito, nem a mais breve sinopse. A surpresa aqui é tudo. Quem quiser aproveitar ao máximo a experiência, não leia esta postagem. Alugue o filme e assista-o imediatamente (não leia nem a contra-capa do DVD). Você não vai se arrepender.
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Este filme não é tão perturbador quanto a sua sinopse pode sugerir. Pode acreditar. E esta é a sua maior qualidade; não fosse assim, cairia numa velha armadilha que poderia fazer cócegas aos espíritos mais fleumáticos, mas não aos mais sublimes. Não há criatura a quem eu fale de A Garota Ideal (“Lars and The Real Girl”, EUA, 2007, dir.: Craig Gillespie) que não faça uma cara de: “Como assim?” com um misto de surpresa, repugnância, curiosidade e – por que não? – compaixão.
Indicado ao Oscar de melhor roteiro original em 2008 (perdeu para Juno), esta pequena fita conta a história de Lars, um jovem de bom coração mas com seríssimas dificuldades de se relacionar com as pessoas, principalmente com as mulheres. Apesar das diligentes tentativas do irmão, da cunhada e de uma colega de trabalho que está a fim dele, a timidez extrema de Lars faz com que permaneça um misantropo incorrigível.
Até que, um belo dia, ele aparece com Bianca: uma formidável figura de silicone comprada pela Internet com os seus, imaginamos, 1,65 de altura e uns 52 Kg; além de ser, é preciso lembrar, “anatomicamente correta” – ou seja, ela tem TUDO o que uma mulher tem, fisicamente falando. Este é o momento realmente perturbador do filme. Testemunhamos de queixo caído o início do “relacionamento” entre Lars e Bianca e as reações de toda a comunidade ao redor – o cenário é, logicamente, o de uma cidadezinha.
Antes que algum espectador se lembre do engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha – uma das maiores expressões que esta humanidade já foi capaz de produzir – no próprio filme vemos Lars lendo o clássico de Cervantes para embalar o sono de sua “garota”. Então, acontece o ponto de virada. Se o roteiro ficasse apenas no registro deste “bizarro” e de suas consequências mórbidas, a obra não seria melhor do que as fantasias perversas de uns “garotos enxaqueca” que há por aí.
É claro que a roteirista Nancy Oliver poderia ter enveredado por uma linha mais literária, à lá Dostoiévski, Kafka ou Borges. Mas este é, na verdade, um filme bem simples e sensível. Mas não se trata, ainda bem, de uma sensibilidade e otimismo bobos como os do Curioso Caso de Benjamin Button, por exemplo. A história de Lars tem muito mais densidade. A virada acontece quando Bianca começa a ganhar um estatuto de realidade para todas as pessoas ao redor de Lars.
Todos se compadecem dele e querem ajudá-lo. Assim, com a supervisão de uma psicóloga, a cidade inteira mergulha na fantasia dele. É bonito ver Bianca ganhar uma vida e personalidade próprias, independentes do seu “namorado”. Evidentemente, começarão aí os problemas do relacionamento: Lars fica com ciúmes, ele não gosta de disputar Bianca com todo mundo.
O filme mostra com incrível sabedoria todas as fases de um relacionamento, todos os seus aspectos, todas as neuroses, as pequenas e as grandes crises do cotidiano. E nós assistimos a toda essa evolução surpreendendo-nos de tudo isso não ser nada surpreendente, pois para todos os efeitos Bianca é REAL. Como diz Raul Seixas: “sonho que se sonha junto é realidade”. A Garota Ideal só faz por alargar o conceito de realismo fantástico.
Não contarei o final do romance entre Lars e Bianca. Saiba apenas que o filme, no seu conjunto, é belo, humano, revigorante e transformador. Terapêutico, talvez. Não há nada de doentio ou trágico na história de Lars. Trata-se de um processo de aprendizado e de cura. Uma verdadeira educação sentimental. É um daqueles filmes que nos ensinam a amar (de verdade a pessoas de verdade), a viver a vida de maneira poética.
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Este filme não é tão perturbador quanto a sua sinopse pode sugerir. Pode acreditar. E esta é a sua maior qualidade; não fosse assim, cairia numa velha armadilha que poderia fazer cócegas aos espíritos mais fleumáticos, mas não aos mais sublimes. Não há criatura a quem eu fale de A Garota Ideal (“Lars and The Real Girl”, EUA, 2007, dir.: Craig Gillespie) que não faça uma cara de: “Como assim?” com um misto de surpresa, repugnância, curiosidade e – por que não? – compaixão.
Indicado ao Oscar de melhor roteiro original em 2008 (perdeu para Juno), esta pequena fita conta a história de Lars, um jovem de bom coração mas com seríssimas dificuldades de se relacionar com as pessoas, principalmente com as mulheres. Apesar das diligentes tentativas do irmão, da cunhada e de uma colega de trabalho que está a fim dele, a timidez extrema de Lars faz com que permaneça um misantropo incorrigível.
Até que, um belo dia, ele aparece com Bianca: uma formidável figura de silicone comprada pela Internet com os seus, imaginamos, 1,65 de altura e uns 52 Kg; além de ser, é preciso lembrar, “anatomicamente correta” – ou seja, ela tem TUDO o que uma mulher tem, fisicamente falando. Este é o momento realmente perturbador do filme. Testemunhamos de queixo caído o início do “relacionamento” entre Lars e Bianca e as reações de toda a comunidade ao redor – o cenário é, logicamente, o de uma cidadezinha.
Antes que algum espectador se lembre do engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha – uma das maiores expressões que esta humanidade já foi capaz de produzir – no próprio filme vemos Lars lendo o clássico de Cervantes para embalar o sono de sua “garota”. Então, acontece o ponto de virada. Se o roteiro ficasse apenas no registro deste “bizarro” e de suas consequências mórbidas, a obra não seria melhor do que as fantasias perversas de uns “garotos enxaqueca” que há por aí.
É claro que a roteirista Nancy Oliver poderia ter enveredado por uma linha mais literária, à lá Dostoiévski, Kafka ou Borges. Mas este é, na verdade, um filme bem simples e sensível. Mas não se trata, ainda bem, de uma sensibilidade e otimismo bobos como os do Curioso Caso de Benjamin Button, por exemplo. A história de Lars tem muito mais densidade. A virada acontece quando Bianca começa a ganhar um estatuto de realidade para todas as pessoas ao redor de Lars.
Todos se compadecem dele e querem ajudá-lo. Assim, com a supervisão de uma psicóloga, a cidade inteira mergulha na fantasia dele. É bonito ver Bianca ganhar uma vida e personalidade próprias, independentes do seu “namorado”. Evidentemente, começarão aí os problemas do relacionamento: Lars fica com ciúmes, ele não gosta de disputar Bianca com todo mundo.
O filme mostra com incrível sabedoria todas as fases de um relacionamento, todos os seus aspectos, todas as neuroses, as pequenas e as grandes crises do cotidiano. E nós assistimos a toda essa evolução surpreendendo-nos de tudo isso não ser nada surpreendente, pois para todos os efeitos Bianca é REAL. Como diz Raul Seixas: “sonho que se sonha junto é realidade”. A Garota Ideal só faz por alargar o conceito de realismo fantástico.
Não contarei o final do romance entre Lars e Bianca. Saiba apenas que o filme, no seu conjunto, é belo, humano, revigorante e transformador. Terapêutico, talvez. Não há nada de doentio ou trágico na história de Lars. Trata-se de um processo de aprendizado e de cura. Uma verdadeira educação sentimental. É um daqueles filmes que nos ensinam a amar (de verdade a pessoas de verdade), a viver a vida de maneira poética.
3 comentários:
Preciso ver este filme! Mas não chegou por aqui. Depois de vê-lo, lerei tua resenha.
Nao adianta...nao aguento esses tipos de filme.
É uma experiência perturbadora este filme. Mas, ei! eis a graça do cinema, não? Mexer fundo com a gente...
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