quarta-feira, dezembro 06, 2006

Sympathy for Godard


Os jovens de hoje que gostam de ver os filmes de Godard para se sentirem mais inteligentes devem tomar cuidado com esta produção. A inspiração apaixonada com que o mestre francês filma os seus assuntos e idéias pode levar o impetuoso e pouco experiente público jovem a fazer uma leitura apenas média do filme, ou seja, a se envolver de uma maneira muito entusiasmada e pouco crítica com o universo da contra-cultura, foco deste documentário poético. Assim, só aumentará o grupinho dos enfants terribles de vinte e poucos anos cuja maior fantasia é ter vinte e poucos anos em 1968.

Jean-Luc Godard pode ser um cineasta militante, mas está anos-luz à frente de um cinema dito “politizado” (que voltou à moda nesta década) que não passa de demagogia, ou reacionarismo, ou pregação para convertidos, ou “chuva no molhado”, chame do que quiser. Isso porque o cinema documentário de Godard é socrático. Expliquemos.

“Sympathy for the Devil” (1968) é um filme que alterna cenas dos Rolling Stones em estúdio, ensaiando a famosa canção homônima, com entrevistas fictícias de personagens simbólicos (como a moça “Eve Democracy”), leituras de obras subversivas, discursos e encenações chocantes envolvendo os Panteras Negras, pichações de muros com neologismos de efeito (“cinemarx”, “sovietcong”), enfim, tudo envolvendo a chamada contra-cultura. O diretor de “Acossado” faz tudo isso de maneira poética e inspirada, onde o cinema fala mais alto do que as idéias, temas ou mensagens que ele carrega, ainda que tudo seja da mais alta importância. É uma lição para filmes que pretendem lidar com ideologia.

Godard faz isso com o devido distanciamento analítico e crítico. Como bem disse um crítico dos anos 70, para falar mal do filme, “Sympathy for the Devil” mais contempla a revolução do que a propõe (Roger Greenpun, New York Times, 27 de abril de 1970). Ora, eu acredito que esse seja o melhor elogio que se possa fazer à produção, pois destaca exatamente sua preocupação fundamental. Eu disse que Godard é socrático justamente porque tudo o que ele faz é nos colocar em contato direto (e até violento) com os fatos urgentes, estimulando a reflexão e o debate. Apenas isso. O próprio realizador não “fala” através de sua câmera. Ele deixa os outros falarem e se mostrarem; o espectador que tome uma posição a respeito do que é mostrado e dito na tela. Os filmes documentários de Godard são diálogos que ele propõe ao espectador. O cineasta aplicará o método socrático do diálogo principalmente em seus documentários e programas de entrevistas para a TV, já no final dos anos 70, como “6x2” e “France / Tour / Détour / Deux / Enfants”. O mesmo crítico acima citado também reclama do excesso de didatismo em “Sympathy for the Devil”. Mas esse “didatismo” faz parte do modelo socrático e é essencial para se estimular a reflexão do público, mais do que simplesmente fazê-lo engolir idéias e conclusões pré-concebidas.

Por isso eu disse que esse filme é um perigo para certos jovens pedantes de hoje. Eles podem não enxergar e não compreender essa proposta de reflexão distanciada sobre a contra-cultura. É surpreendente ver o diretor de “Acossado” filmar os Rolling Stones e a contra-cultura com uma câmera pra lá de clássica, em planos de muito longa duração (principalmente mostrando os Stones em estúdio) e quase sempre de conjunto, ou seja, distanciado mesmo! Sendo quase todo feito em planos de conjunto rigorosamente enquadrados, o filme realiza bem a proposta de mostrar tudo em seu contexto e assim ajudar melhor na reflexão e na conclusão a serem empreendidas pelo espectador. As cenas com os Panteras Negras no ferro-velho de automóveis são belíssimas.

Eu não consigo deixar de pensar (e me divertir) em como seria um “remake” desse filme feito por algum jovem cineasta virtuose da geração (pós-)MTV: câmera na mão e tremida, ritmo de videoclipe, diversos filtros chocantes na iluminação e nas cores, primeiros-planos emocionados... (Que horror!)
O diabo é uma figura simpática e está em todos os lugares.

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