quinta-feira, janeiro 22, 2009

São Paulo Sociedade Anônima


Assistir a São Paulo Sociedade Anônima (Brasil, 1965, dir.: Luís Sérgio Person) é algo que nos deixa muito felizes, mas ao mesmo tempo muito tristes. Felizes pelo nível de maturidade que o nosso cinema (um dia) já atingiu. Tristes pelo fato de isso não ter tido uma continuidade sistemática. E não se trata aqui de elogiar o valor perdido dos clássicos em oposição à decadência dos nossos tempos, pois uma fita como a de Person surpreende bastante pelo que ela tem de contemporâneo e pertinente. O que eu digo é: no meio de tantas produções do cinema brasileiro da “retomada” que pretendem fazer uma reflexão, ensaio ou tese psico-social a respeito do Brasil ou de um “environment” tão peculiar como a cidade de São Paulo, por que não aparece nada que tenha pelo menos 20% da maturidade, do equilíbrio, do profissionalismo e da arte de São Paulo Sociedade Anônima?

Eis um filme de gente grande, que não faz vergonha alguma perante Antonionis, Fellinis ou Godards. Só para apimentar a polêmica, como é patético ler a crítica cinematográfica atual enrolar-se toda nos melhores lençóis da reflexão sobre a sétima arte para tentar explicar a “proposta” de filmes absolutamente bobos como Durval Discos (2002) ou Os Doze Trabalhos (2007). Que proposta, meu Deus? A inconsequência e incoerência desses filmes rivalizam apenas com a sua própria prepotência. São Paulo Sociedade Anônima é que tem e realiza de fato uma Proposta. Compare-se: não será nada difícil compreender. Mas, para não ficar só reclamando – mantendo, não obstante, o espírito da discussão – o máximo que se pode encontrar, hoje em dia, que se relacione com o nível da produção de Person (mesmo que à boa distância) são pérolas como O Príncipe (2002, dir.: Ugo Giorgetti) ou A Via Láctea (2007, dir.: Lina Chamie).

No entanto, o fato desses dois pequenos grandes filmes receberem tão pouca atenção da crítica e do público “especializado” revela muito a respeito do estado das coisas, enquanto dedicam-se páginas e prêmios a sujeiras da estirpe de O Baixio das Bestas (2006). Enquanto o nosso cinema for pensado como esta forma moderna da velha “macumba para estrangeiro” pela inteligentzia da nata de Fernando Meireles, Walter Salles, Bruno Barreto (pensando no Última Parada 174), Cláudio Assis e José Padilha, nunca atingiremos – repito: nunca! – a maturidade que o cinema argentino já possui faz tempo (só para citar um exemplo que muitos poderão achar irritante).

A sutileza e finíssima ironia com que São Paulo Sociedade Anônima coloca a “questão social” é algo que eu, na melhor das minhas expectativas, não vejo como capaz de ser pensado pela “nova geração” do nosso cinema. Correndo o risco de parecer particularmente ranzinza agora, eu digo que tal sutileza não exige inteligência, talento, genialidade, nem nada; exige “apenas” bagagem cultural, literária, teatral, um verdadeiro cultivo da sensibilidade que não consigo perceber nos diretores estreantes de hoje – lembrando que São Paulo Sociedade Anônima foi o longa de estréia de Person, que tinha 29 anos de idade. Por exemplo: a cena em que o protagonista Carlos (Walmor Chagas) discute calorosamente com a sua “namorada” Luciana (Eva Wilma), em plena praça da República, sob o olhar ingênuo e ao mesmo tempo terrivelmente inquisidor de um menino de rua, recebendo por isso a ira do homem, ao ser enxotado como um cão.

Enfim, o equilíbrio e articulação entre o drama psicológico e o social, entre a esfera íntima do indivíduo e o buraco negro de um lugar como São Paulo, particularmente a São Paulo do final dos anos 50 e início dos 60, a São Paulo da crescente e desordenada industrialização e crescimento, a São Paulo sendo construída principalmente para os automóveis de passeio (cujas consequências se debatem tanto hoje, principalmente), tudo isso numa narrativa cinematográfica de expressiva fotografia, significativa montagem, roteiro ambicioso, maduro e muito bem conduzido, a dramaturgia forte de grandes atores, magnificamente dirigidos. Este filme é uma lição de cinema. Que os jovens aprendam.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Novidades


O autor deste Sombras Elétricas agora está escrevendo também para o site Cinefilia:

http://www.cinefilia.net/

A iniciativa é do jornalista Fábio Rockenbach, que reuniu nove articulistas e blogueiros cinematográficos para esta empreitada.

Por enquanto, o que há no site são alguns textos já publicados originalmente aqui no Sombras, mas logo logo pretendo produzir material exclusivo para o Cinefilia.

Boa sorte a todos nós!

A Bela Junie


No último texto que escrevi sobre Christophe Honoré (a respeito de Canções de Amor), eu disse que seus filmes eram prenhes de musicalidade, ainda que de forma implícita – ou seja, sem que a música se fizesse presente na trilha sonora. Bem, assistir à produção mais recente do jovem realizador francês, este curioso A Bela Junie (“La Belle Personne”, França, 2008), é como ouvir um álbum do Belle and Sebastian (banda escocesa de “indie” rock). Mergulhamos, durante o filme, num ritmo de vida e de mundo gostoso e catártico, e meio tristinho. Não obstante, a fita cutuca em nós (para não usar a palavra “renova”, que só aplico a uns poucos clássicos da sétima arte) a admiriação, o desejo e as esperanças pelo amor (sempre de um ponto de vista bastante liberal, incluindo sempre o aspecto homossexual), pela amizade, pelas relações cotidianas.

Mais uma vez, a “joie de vivre” predomina – mas sem qualquer sombra de frivolidade. As desgraças não são mostradas como rupturas, mas como marcas de um caminho interessantíssimo a ser percorrido, cujo destino final será nada mais nada menos do que a experiência – que é o que mais vale nesta vida. Os acontecimentos negativos (disfóricos) são tratados pelo diretor com a mesma paixão e valor que os acontecimentos “positivos” (eufóricos). Na economia sentimental de Honoré, tudo vale a pena (não interessa se a alma é pequena ou não, pois a própria vida se encarregará de engrandecer todas as almas). Está explicada, então, a escolha de se influenciar (numa livre adaptação) pelo romance “A Princesa de Clèves” (publicado originalmente em 1678), de Madame de La Fayette. A obra é considerada o primeiro romance psicológico da literatura francesa e já tinha inspirado um filme: A Carta (1999), de Manuel de Oliveira.

A Bela Junie é também o resultado da proposta de Honoré em filmar o universo adolescente, particularmente dois de seus aspectos mais peculiares e difíceis: o amor e a beleza – segundo declarações do próprio diretor. É claro que não poderia faltar a presença do ator-fetiche Louis Garrel. Na história, temos a jovem Junie (na faixa dos seus 16 ou 17 anos), menina altamente sensível e um tanto misteriosa, que chama a atenção do colega de classe Otto – com quem começa a “ficar” – e do professor de italiano Nemours (Garrel), o qual também se apaixona pela garota. Ambos a veem como uma personalidade bastante diferente e promissora em relação à frivolidade geral das outras garotas. Em pouco tempo, Junie passará a gostar também do seu professor, e é aí que a porca torcerá o rabo, pois Junie não é uma adolescente como outras que o galã Nemours “cata”, nem mesmo ele está a fim de tratá-la como se fosse. Quando o caso é sério, as decisões ficam bem difíceis de serem tomadas.

A Bela Junie é uma produção para a TV, menos ambiciosa cinematograficamente do que Em Paris ou Canções de Amor, e com uma pegada mais literária, romanesca. Parece um daqueles filmes mais simples, mais humildes, que os diretores fazem no “interlúdio” entre suas “grandes” realizações, só para não perder o hábito – ou a renda. Por isso mesmo, esta fita não possui o lado meio chato das prepotências “vintage” nouvellevagueanas que dão a marca aos dois filmes anteriores (por mais que eu adore a estética da nouvelle-vague). Vale pelo que mostra, ainda mais que não se deixa afetar pelas igualmente detestáveis prepotências de se querer fazer tese psicológica ou sociológica sobre a adolescência e a juventude (praga que ainda está a ser expurgada dos meios audiovisuais). Uma visão natural para coisas que estão aí: as diferentes variantes e variáveis do amor, da paixão e do desejo.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Ouro e Maldição


Paulo Emílio Sales Gomes define a figura de Erich von Stroheim como um amálgama entre o homem, o criador e o personagem. Toda a mitologia em cima deste verdadeiro “character” do cinema deve-se principalmente à mídia publicitária da antiga Hollywood. Não obstante, o próprio homem muito alimentou a “persona” criada – pelo menos, não lutou contra ela. É devido a Stroheim que se criou o bordão que hoje se tornou folclórico: “The man you love to hate” (O homem que vocês amam odiar). Tal alcunha foi despertada pelos vilões interpretados por Stroheim em filmes de D. W. Griffith sobre a primeira guerra mundial. Aliás, a figura em questão foi assistente de Griffith também em Intolerância (1916).

Ainda de acordo com Paulo Emílio, a linha de conexão entre o homem, o criador cinematográfico e os personagens interpretados por Stroheim é a crueldade. Este aspecto tão peculiar do comportamento humano fez com que André Bazin incluísse o cineasta austríaco no famoso estudo “O Cinema da Crueldade” (esgotadíssimo no Brasil). Pois é tal crueldade que define magnificamente a natureza de um filme como Ouro e Maldição (“Greed”, EUA, 1924). Crueldade que é causa, efeito e modo de se expressar uma tragédia feita de dinheiro, erotismo e pessimiso: três coisas que, para Paulo Emílio, englobam toda a obra do diretor.

Ouro e Maldição é a adaptação do romance “Mac Teague”, de Frank Norris, escritor norte-americano ligado ao estilo de Émile Zola. E é aquele velho Naturalismo que mais testemunhamos nessa narrativa: a inalienável força da hereditariedade, o poder teriomórfico dos instintos (principalmente no que se refere aos impulsos do sexo e da violência, dentre outros elementos meigos da natureza humana), as precárias condições de vida das classes mais baixas – reveladas no modo da denúncia de um ultra-realismo. Neste último aspecto, Stroheim notabiliza-se pela preferência em filmar fora dos estúdios: captando o burburinho da vida cotidiana na cidade de São Francisco tanto quanto o inóspito do Death Valley, no deserto Mojave – também na Califórnia.



O espírito de Stroheim (seu temperamento, filosofia, visão de mundo artística) casa-se muito bem com todo o universo descrito acima. E, sendo um artista com talento exemplar, seu Naturalismo sai em boa parte maduro e equilibrado, bem diferente – é claro – do naturalismo garoto-enxaqueca do nosso Claúdio Assis, ou do naturalismo publicitário-mauricinho de Fernando Meireles. O que “Greed” terá de ingênuo ou envelhecido hoje em dia se deverá antes a idiossincrasias questionáveis da própria literatura e da mentalidade positivistas (muito em voga até então), ou a aspectos típicos das grandes produções do velho cinema mudo.

Como exemplo deste último fator, é deliciosamente ingênua a ênfase com que o diretor apresenta e fixa a imagem do gato de olho na gaiola com o casal de passarinhos pertencente a Mac Tiegue como metáfora visual para o invejoso Marcus, “de olho” na felicidade do casal Mac Tiegue e Trina. São uns cinco ou sei planos repetidos e reiterados até os limites da redundância, apelando para a montagem e até para a sobreposição de imagens. Tudo para que o espectador compreenda bem o que está acontecendo. No entanto, toda a sequência final no Death Valley faz inveja a qualquer filme contemporâneo, mantendo uma incrível vivacidade e força que toca as raias do símbolo (muito além da mera metáfora).

Marcus e Mac Tiegue, perdidos no meio de um deserto ao qual foram levados por sua própria ganância (greed) e do qual jamais retornarão vivos, e ainda assim lutando entre si por um punhado de moedas de ouro. Resume-se aí a tragédia humana. E não podemos nos esquecer das ironias, de um sutilíssimo humor negro, que aparecem só no final do filme. Os últimos 20 minutos desta obra valem mais do que boa parte da produção “audiovisual” de qualquer época – pensando em filmes inteiros. Enfim, a única coisa a talvez lamentar de verdade é a mutilação de Ouro e Maldição: o filme que temos compõe-se de apenas 10 das 42 bobinas originalmente rodadas e que incluíam mais duas narrativas em paralelo com a história de Mac Tiegue. Mas, faz parte.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

O dia em que a Terra parou


Na língua Tupi (dos antigos índios brasileiros) os substantivos se dividem entre possuíveis e não-possuíveis. Os primeiros se referem a coisas vistas como partes de um todo, ou pessoas tomadas como membros de um sistema de relações pessoais. Por exemplo: “xe akanga” (minha cabeça – parte de um todo); “nde membyra” (teu filho – membro de um sistema de relações sociais, no caso, a família). Por sua vez, os nomes não-possuíveis remetem a coisas que os índios não enxergam como parte de um todo ou como algo a ser possuído por alguém. Como exemplo, tem-se a maior parte dos elementos da natureza. Lembrando que qualquer língua sempre retrata uma determinada visão de mundo, os índios brasileiros que falavam o Tupi não concebiam a idéia de que uma pessoa pudesse ser possuidora de algum objeto ou elemento natural.

Não é a natureza que pertence ao homem, e sim o homem que é possuído pelas forças e pelo ambiente natural. A natureza já estava aqui antes de o indivíduo nascer e permanecerá após a morte dele. Uma tal comunhão entre o humano e o natural é o que mais se encontra na cultura de povos ditos “primitivos”. Mas, voltando ao nosso Tupi, seria simplesmente inconcebível que alguém dissesse, na língua e na antiga sociedade indígena, algo do tipo: “xe ybyrá” (minha árvore); ou “Iracema ybyrá” (árvore de Iracema). Por isso, não se aplicam pronomes possessivos a nomes não-possuíveis na língua Tupi, tampouco se estabelecem relações genitivas (que, em nosso Português, poderiam ser expressas pela preposição “de”) envolvendo uma tal classe de substantivos.

E o que é que tudo isso tem a ver, afinal de contas, com O dia em que a Terra parou (“The day the Earth stood still”, EUA, 2008, dir.: Scott Derrickson)? Assista ao filme com carinho e atenção; você perceberá que o melhor dele são certas sacadas mais ou menos sutis, em algumas cenas-chave. A mais importante delas é o primeiro diálogo entre o “invasor” alienígena Klaatu e a secretária de defesa dos EUA, no qual o extraterrestre discorda veementemente – com um ar de intrigante incompreensão – quando ela diz coisas como: “nosso planeta” (pertencente à humanidade). Tomemos aqui, mais uma vez, os nossos amigos tupis e reflitamos: quem é verdadeiramente o “selvagem”, o “bruto”, o “primitivo”?

Uma outra alfinetada linguística deste filme é o fato de todos os personagens chamarem Klaatu e sua nave espacial de “it” (pronome pessoal neutro do Inglês, usado para objetos inanimados, vegetais ou animais com os quais não se tenha relações afetivas), mas, no final da fita, um dos personagens centrais corrigir o seu interlocutor e dizer finalmente “he” (pronome pessoal masculino, equivalente a “ele”). De resto, a idéia e o roteiro mantêm a mesma força do original de 1951, dirigido por Robert Wise (o montador de Cidadão Kane – 1941 – e diretor de A Noviça Rebelde – 1965). A moral foi, naturalmente, adaptada para os tempos de aquecimento global. No entanto, persiste a parvoíce arrogante – ou parva arrogância – das forças militares.

Em tempos de respostas militares desproporcionais e de unilateralismo, nada mais ilustrativo do que ver o começo desta fita.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

O Incrível Homem Que Encolheu


O melhor da ficção científica não é a ciência em si, o patético fetiche positivista pelos “avanços” do conhecimento e da técnica. Na verdade, pouco importam os detalhes físicos, químicos ou de engenharia das maravilhosas fantasias em séries de TV, filmes, HQ’s ou livros; a suposta verossimilhança científica também está longe de trazer alguma contribuição para a arte ou entretenimento. Os fatores da ciência (suas conquistas ou tropeços) só interessarão na medida em que implicarem um efeito peculiar e significativo sobre o homem, assim como sobre as velhas e novas questões humanas – psicológicas, sociológicas ou filosóficas.

O melhor da ficção científica se investe de fábula ou parábola, de conteúdo sempre simbólico, mítico. O melhor da ficção científica veste as lentes de uma cosmovisão comparável somente à dos poetas e profetas antigos. Realismo mágico, narrativa fantástica, surrealismo, expressionismo, tudo são formas estéticas que devem sua existência e referência à figura humana, e somente à figura humana. A ficção científica, trate ela de utopias ou distopias, é o que mais se aproxima – na cultura pop – da função do profeta nas sociedades antigas, ou dos contadores de histórias. Enfim, emendo-me numa questão: o melhor da ficção científica é, pensando melhor, a ciência ou as ciências em si; mas as ciências humanas.

O Incrível Homem Que Encolheu (“The Incredible Shrinking Man”, EUA, 1957, dir.: Jack Arnold) é um filme empolgante e surpreendente, talvez não para quem já esteja acostumado com a science fiction dos anos 50, mas com certeza para quem baseia sua dieta na pouco protéica produção contemporânea de Hollywood. O roteiro é de Richard Matheson (o cara!), baseado num romance seu. Matheson é a mente doentia por trás de I Am Legend (adaptado três vezes para o cinema) e de vários episódios de Além da Imaginação (“Twilight Zone”), incluindo o magnífico “Nightmare at 20,000 feet” – já comentado neste Blog.

A história é a de Scott Carey, norte-americano médio, que, após ser exposto a uma espécie de nevoeiro (radioativo? extraterrestre? místico?) em alto-mar, começa lentamente a encolher de tamanho, até... desaparecer? Os efeitos especiais são ótimos, mesmo para os padrões de hoje em dia: as lutas épicas entre o protagonista e o gato da família, ou contra uma aranha do tamanho de um elefante são perfeitas; a fotografia em preto-e-branco, dando bastante destaque às incalculáveis diferenças de proporção e perspectiva, também é magistral. Mas o melhor deste filme será, logicamente, o conteúdo fabulístico. É uma história de mudança da visão de mundo de um indivíduo, com todos os resultados – traumáticos ou epifânicos – que seguirão daí.

Para sobreviver, Scott Carey precisará abandonar a visão – de si mesmo e das coisas – que tinha antes e adotar uma nova, mais adequada à sua nova condição. Eis o aprendizado moral, que se reveste de uma forte iluminação interior, apesar do sofrimento, das dificuldades e perdas que tudo isso implica, incluindo o abandono de qualquer esperança de ser “curado” e de voltar a ter uma vida normal junto de sua esposa. É neste ponto que o filme revelará sua grande coragem: a narrativa não faz concessões a um final “feliz” em que todas as mudanças se desfazem, se “corrigem”, ficando apenas a lembrança de tudo como se fosse um sonho bizarro, ou pesadelo.

Tudo neste filme tem uma consequência, e uma consequência sem retorno. Já era! Agora é bola pra frente e seja o que Deus quiser... Uma parte considerável da produção contemporânea de Hollywood parece desprovida desse tão básico senso de responsabilidade, de causa e efeito. São filmes totalmente inconsequentes, nos quais o herói, depois de aprender a lidar com os traumas que as mudanças da vida lhe oferecem, acaba sendo recompensado com alguma espécie de grande prêmio: amor, riqueza, ou o retorno – mais ou menos miraculoso – ao velho estado de coisas antes da tempestade. Na fita de Matheson, não há nenhuma dessas bobagens. A única premiação de Scott Carey é a sua própria consciência, uma consciência que nenhum homem antes dele jamais teve.

Quer final mais feliz do que esse?