Assistir a São Paulo Sociedade Anônima (Brasil, 1965, dir.: Luís Sérgio Person) é algo que nos deixa muito felizes, mas ao mesmo tempo muito tristes. Felizes pelo nível de maturidade que o nosso cinema (um dia) já atingiu. Tristes pelo fato de isso não ter tido uma continuidade sistemática. E não se trata aqui de elogiar o valor perdido dos clássicos em oposição à decadência dos nossos tempos, pois uma fita como a de Person surpreende bastante pelo que ela tem de contemporâneo e pertinente. O que eu digo é: no meio de tantas produções do cinema brasileiro da “retomada” que pretendem fazer uma reflexão, ensaio ou tese psico-social a respeito do Brasil ou de um “environment” tão peculiar como a cidade de São Paulo, por que não aparece nada que tenha pelo menos 20% da maturidade, do equilíbrio, do profissionalismo e da arte de São Paulo Sociedade Anônima?
Eis um filme de gente grande, que não faz vergonha alguma perante Antonionis, Fellinis ou Godards. Só para apimentar a polêmica, como é patético ler a crítica cinematográfica atual enrolar-se toda nos melhores lençóis da reflexão sobre a sétima arte para tentar explicar a “proposta” de filmes absolutamente bobos como Durval Discos (2002) ou Os Doze Trabalhos (2007). Que proposta, meu Deus? A inconsequência e incoerência desses filmes rivalizam apenas com a sua própria prepotência. São Paulo Sociedade Anônima é que tem e realiza de fato uma Proposta. Compare-se: não será nada difícil compreender. Mas, para não ficar só reclamando – mantendo, não obstante, o espírito da discussão – o máximo que se pode encontrar, hoje em dia, que se relacione com o nível da produção de Person (mesmo que à boa distância) são pérolas como O Príncipe (2002, dir.: Ugo Giorgetti) ou A Via Láctea (2007, dir.: Lina Chamie).
No entanto, o fato desses dois pequenos grandes filmes receberem tão pouca atenção da crítica e do público “especializado” revela muito a respeito do estado das coisas, enquanto dedicam-se páginas e prêmios a sujeiras da estirpe de O Baixio das Bestas (2006). Enquanto o nosso cinema for pensado como esta forma moderna da velha “macumba para estrangeiro” pela inteligentzia da nata de Fernando Meireles, Walter Salles, Bruno Barreto (pensando no Última Parada 174), Cláudio Assis e José Padilha, nunca atingiremos – repito: nunca! – a maturidade que o cinema argentino já possui faz tempo (só para citar um exemplo que muitos poderão achar irritante).
A sutileza e finíssima ironia com que São Paulo Sociedade Anônima coloca a “questão social” é algo que eu, na melhor das minhas expectativas, não vejo como capaz de ser pensado pela “nova geração” do nosso cinema. Correndo o risco de parecer particularmente ranzinza agora, eu digo que tal sutileza não exige inteligência, talento, genialidade, nem nada; exige “apenas” bagagem cultural, literária, teatral, um verdadeiro cultivo da sensibilidade que não consigo perceber nos diretores estreantes de hoje – lembrando que São Paulo Sociedade Anônima foi o longa de estréia de Person, que tinha 29 anos de idade. Por exemplo: a cena em que o protagonista Carlos (Walmor Chagas) discute calorosamente com a sua “namorada” Luciana (Eva Wilma), em plena praça da República, sob o olhar ingênuo e ao mesmo tempo terrivelmente inquisidor de um menino de rua, recebendo por isso a ira do homem, ao ser enxotado como um cão.
Enfim, o equilíbrio e articulação entre o drama psicológico e o social, entre a esfera íntima do indivíduo e o buraco negro de um lugar como São Paulo, particularmente a São Paulo do final dos anos 50 e início dos 60, a São Paulo da crescente e desordenada industrialização e crescimento, a São Paulo sendo construída principalmente para os automóveis de passeio (cujas consequências se debatem tanto hoje, principalmente), tudo isso numa narrativa cinematográfica de expressiva fotografia, significativa montagem, roteiro ambicioso, maduro e muito bem conduzido, a dramaturgia forte de grandes atores, magnificamente dirigidos. Este filme é uma lição de cinema. Que os jovens aprendam.
Eis um filme de gente grande, que não faz vergonha alguma perante Antonionis, Fellinis ou Godards. Só para apimentar a polêmica, como é patético ler a crítica cinematográfica atual enrolar-se toda nos melhores lençóis da reflexão sobre a sétima arte para tentar explicar a “proposta” de filmes absolutamente bobos como Durval Discos (2002) ou Os Doze Trabalhos (2007). Que proposta, meu Deus? A inconsequência e incoerência desses filmes rivalizam apenas com a sua própria prepotência. São Paulo Sociedade Anônima é que tem e realiza de fato uma Proposta. Compare-se: não será nada difícil compreender. Mas, para não ficar só reclamando – mantendo, não obstante, o espírito da discussão – o máximo que se pode encontrar, hoje em dia, que se relacione com o nível da produção de Person (mesmo que à boa distância) são pérolas como O Príncipe (2002, dir.: Ugo Giorgetti) ou A Via Láctea (2007, dir.: Lina Chamie).
No entanto, o fato desses dois pequenos grandes filmes receberem tão pouca atenção da crítica e do público “especializado” revela muito a respeito do estado das coisas, enquanto dedicam-se páginas e prêmios a sujeiras da estirpe de O Baixio das Bestas (2006). Enquanto o nosso cinema for pensado como esta forma moderna da velha “macumba para estrangeiro” pela inteligentzia da nata de Fernando Meireles, Walter Salles, Bruno Barreto (pensando no Última Parada 174), Cláudio Assis e José Padilha, nunca atingiremos – repito: nunca! – a maturidade que o cinema argentino já possui faz tempo (só para citar um exemplo que muitos poderão achar irritante).
A sutileza e finíssima ironia com que São Paulo Sociedade Anônima coloca a “questão social” é algo que eu, na melhor das minhas expectativas, não vejo como capaz de ser pensado pela “nova geração” do nosso cinema. Correndo o risco de parecer particularmente ranzinza agora, eu digo que tal sutileza não exige inteligência, talento, genialidade, nem nada; exige “apenas” bagagem cultural, literária, teatral, um verdadeiro cultivo da sensibilidade que não consigo perceber nos diretores estreantes de hoje – lembrando que São Paulo Sociedade Anônima foi o longa de estréia de Person, que tinha 29 anos de idade. Por exemplo: a cena em que o protagonista Carlos (Walmor Chagas) discute calorosamente com a sua “namorada” Luciana (Eva Wilma), em plena praça da República, sob o olhar ingênuo e ao mesmo tempo terrivelmente inquisidor de um menino de rua, recebendo por isso a ira do homem, ao ser enxotado como um cão.
Enfim, o equilíbrio e articulação entre o drama psicológico e o social, entre a esfera íntima do indivíduo e o buraco negro de um lugar como São Paulo, particularmente a São Paulo do final dos anos 50 e início dos 60, a São Paulo da crescente e desordenada industrialização e crescimento, a São Paulo sendo construída principalmente para os automóveis de passeio (cujas consequências se debatem tanto hoje, principalmente), tudo isso numa narrativa cinematográfica de expressiva fotografia, significativa montagem, roteiro ambicioso, maduro e muito bem conduzido, a dramaturgia forte de grandes atores, magnificamente dirigidos. Este filme é uma lição de cinema. Que os jovens aprendam.