protagonista da série animada O Crítico (1994)
A edição de julho / agosto da Film Comment dedica-se – dentre outras pautas bastante saborosas – a uma polêmica bem curiosa que tem alimentado a fogueira das retóricas que estalam no meio da crítica cinematográfica dos EUA (aqui na terra onde cantam os sabiás, não vi ainda nada do gênero; se alguém tiver informações a respeito, por favor, comente). Trata-se do embate entre críticos “online” (principalmente bloggers) e críticos das velhas mídias impressas (jornais e revistas). A briga é pela sobrevivência, legitimação e prestígio da já suficientemente inglória e atualmente tão combalida tarefa de resenhar filmes, uma vez que os últimos parecem não querer admitir o trabalho “amador” dos primeiros.
Como pontapé inicial para nossas discussões aqui, reproduzo e comento o editorial. Na sequência, virá a primeira parte da matéria publicada (a segunda aparecerá na edição de setembro / outubro). Acredito piamente que esses textos ajudarão – e muito – os blogueiros tupiniquins a refletirem mais apuradamente a respeito de sua própria e subterrânea prática, tomando quem sabe outros e maiores fôlegos de encorajamento e inspiração. Quanto aos críticos “profissionais”, conheço pouco de suas vidas para tecer quaisquer sugestões, mas a leitura da parte deles será também, com certeza, útil e bem-vinda. Vamos lá.
Carta do Editor
A prática da crítica cinematográfica aparentemente venceu, no final dos anos 60, a batalha para ser levada a sério (tal vitória foi reforçada, em certo grau, pela ascensão dos estudos fílmicos no universo acadêmico, embora até hoje muitos editores de artes e cultura se contentem em selecionar pessoas desqualificadas e sem qualquer perícia discernível em cinema para serem comentadoras de filmes). Mas, desde o final dos anos 70, os críticos de cinema têm se visto cada vez mais como uma espécie em perigo de extinção. Isto se deveu, inicialmente, à ascensão dos “blockbusters” e à crescente preferência de Hollywood pelo público adolescente nos anos 80 – o que fez com que a abordagem crítica de filmes (“criticism” – n. do t.) parecesse algo impertinente e inútil. Colocando em outras palavras, quanto mais a cultura cinematográfica começava a se polarizar, mais difícil ficava para alguns críticos encontrar uma quantidade suficiente de filmes que valessem a pena discutir.
Uma nova “ameaça” também se levantou: comentadores de filmes para a TV! Há vinte anos atrás, em nossas páginas, o crítico da Time e antigo editor da Film Comment Richard Corliss apressadamente os identificou como Inimigos Públicos Número Um, apontando o dedo acusatório para o seu amigo Roger Ebert (quem se importa que a própria Time, naquela época, fosse basicamente apenas TV em celulose?). Alguns anos antes, em 1987, o advento da revista Premiere – com a sua estratégia purificadora de extirpar a incômoda parte “crítica” da crítica de cinema – foi visto por muitos como o clímax da decadência da cultura cinematográfica: se você estivesse escrevendo sobre filmes que você não viu, você estaria basicamente fazendo uma mistura de jornalismo e publicidade. Quando estourou a notícia de que a editora da Premiere, Susan Lyne, tinha trocado o seu posto por um emprego na Disney, no começo dos anos 90, um crítico soltou a farpa: “Bem, pelo menos agora é oficial.” Não obstante, essa história convenientemente negligencia o fato de que a Premiere manteve os serviços de J. Hoberman, David Denby e, por muitos anos, o de Glenn Kenny, para escreverem sobre filmes que eles realmente tinham visto.
Velhos tempos aqueles! Já no século XXI, é tudo culpa da Internet. Em um editorial de 2006, eu escrevi: “Tenho uma tendência a pensar que os blogs são mais importantes para as pessoas que os escrevem, do que para as pessoas que gostam de ler; eles são prolixos em opiniões, mas limitados em ideias e insights.” Não sei se tal observação poderia ser defendida então, mas com certeza, não agora. A crítica “online”, com todos os seus atalhos e nichos, é tão “mainstream” quanto a Film Comment. Nos festivais de cinema de qualquer porte, desde Cannes até os mais obscuros, a imprensa “online” já não é mais tratada como cidadãos de segunda classe. A questão da sustentabilidade econômica dos blogs é agora tão aplicável quanto a das publicações impressas de todos os formatos e tamanhos – é por isso que, nos últimos cinco anos, os críticos da mídia impressa vêm caindo como moscas, alvos fáceis de chefes de redação que procuram fazer cortes de pessoal. Vivemos verdadeiramente em um período de transição.
O modelo tradicional de crítica de filmes que existia desde os anos 70 – e que ainda é praticado por esta revista – está sendo sistematicamente erodido, tanto de dentro quanto por fora. Forças econômicas, culturais e tecnológicas estão remodelando inexoravelmente a paisagem, bem debaixo dos nossos olhos. Mas, ao invés de chegar a algum acordo com tal situação, muitos dos críticos da velha guarda “impressa” ainda estão travando uma guerra retórica contra os “virtuais” – exceto aqueles que já estabeleceram uma presença “online”, como Todd McCarthy, Jonathan Rosenbaum e Dave Kehr, sem mencionar Roger Ebert.
Assim sendo, nesta edição nós publicamos a parte um de uma valiosa e persuasiva tentativa de pôr as coisas em perspectiva e forçar um cessar-fogo para esta contenda. O texto é assinado por Paul Brunick, colaborador de “vinte e poucos anos” e ex-estagiário da FC. O seu artigo começa na página 36 e continua em nossa próxima edição.
Gavin Smith
Uma amiga minha, não faz muito tempo, disse que estava louca para ver um filme que tinha acabado de estrear (não lembro mais qual era), mas tinha ficado “meio assim”, depois de ler um crítico da Folha de S. Paulo que achincalhou a película. Imediatamente e de modo bastante professoral, eu coloquei as coisas para ela “em perspectiva” – como diz Gavin Smith: tentei explicar em que medida, sempre relativa, devemos levar em conta a crítica de cinema produzida nos grandes órgãos de imprensa; citei exemplos, tanto de erros crassos, quanto de insights geniais, praticados pelos nomes mais famosos do mainstream.
E concluí com uma recomendação que acredito estar no olho do furacão da polêmica toda: se você quer, hoje em dia, ler uma crítica de cinema que não seja apenas vagamente “independente”, mas uma crítica feita com o ardor e o envolvimento gratuitos da inteligência e da sensibilidade de gente cinéfila que não pode (ou não quer) escrever para a Folha, para o Globo ou para a Veja, a Internet é a sua mina de ouro. A ausência de compromisso com qualquer linha editorial, mercado ou público-alvo, aliada à busca simples de visibilidade por quem quer simplesmente se expressar, e expressar o seu amor por uma forma de arte – gratuitamente, que isso fique bem claro – é o maior facilitador para que talentos se desenrolem e frutifiquem em ótimos textos.
Veremos no artigo da FC que dois grandes críticos norte-americanos, Andrew Sarris e Pauline Kael, começaram em formas muito equivalentes de underground. Cabe fazer a ressalva: o subterrâneo não é garantia de nada, a habilitação de competências ocorre por outros meios. Nenhum texto crítico ou filme serão necessariamente bons por serem “indies”, pois não há nada que substitua o estudo, a leitura e a assistência de filmes (perdão pelo arcaísmo), principalmente para o autodidata. Enfim, em outras palavras, o que falei para a minha amiga foi: há muita coisa boba na Internet, mas o que há de bom costuma ser melhor do que o que se vê de interessante no papel.
Então, ela me pediu indicações de sites e blogs que eu achasse legais. Fiz uma lista e passei para ela. Em março de 2008, publiquei aqui no Sombras Elétricas uma pequena relação com o que havia de mais interessante em crítica cinematográfica no ciberespaço; logo mais, pretendo fazer um novo e mais extenso apanhado, desta vez incluindo mais blogs. Uma das mais típicas características do meio virtual (boa ou má) é a sua volatilidade: blogs e sites aparecem e desaparecem a qualquer momento e sem darem maiores notícias. Por isso, é necessário – posto que trabalhoso – manter sempre verificada e atualizada a sua lista de links e de favoritos.
Quanto a revistas impressas em Terra de Santa Cruz especificamente sobre cinema, repito a grande falta que faz alguma que seja voltada majoritariamente para a recepção de filmes (o que exclui periódicos dirigidos à gente que produz, do tipo de Zoom Magazine, ou mesmo a Revista de Cinema) e que não arranque, nas palavras do editor da FC, o termo “crítica” da expressão “crítica de cinema”, como o faria a Premiere (e, com certeza, o seu pastiche tupiniquim, a Set). Além de tudo, seria bom que esta hipotética e messiânica revista tivesse boa distribuição, mesmo em âmbito nacional (o que nos leva a deixar de lado a interessante Paisá, que em São Paulo só pode ser encontrada em algumas bancas da Avenida Paulista – justamente as mesmas em que se costumam achar a Film Comment e a Cahiers du Cinèma).
Voltando mais uma vez ao espaço da “world wide web”, vejamos o que escreve Gavin Smith: “Tenho uma tendência a pensar que os blogs são mais importantes para as pessoas que os escrevem, do que para as pessoas que gostam de ler; eles são prolixos em opiniões, mas limitados em ideias e insights.” Certamente, os blogs são muito importantes para quem os escreve, pois muitas vezes são os únicos veículos em que aspirantes a críticos podem se exprimir publicamente (viva a democracia punk do “faça-você-mesmo” das revoluções tecnológicas). E creio que devemos concordar em parte com o diagnóstico sugerido pela revista, mas buscando talvez outras razões:
já vi muitos blogs de cinema (principalmente de críticos mais jovens) que parecem, voluntária ou inconscientemente, querer mimetizar o modelo de crítica de filme usado pelos grandes jornais de hoje em dia (ou o modelo de artigo das revistas de “gossip”), incluindo indiscriminadamente todos os seus vícios (seja na abordagem dos filmes, seja na construção textual). Sinto-me invadido (mais uma vez) pela vontade professoral de indicar a esses jovens iniciantes a leitura dos artigos do clássico mestre Paulo Emílio no antigo Suplemento Literário do Estado de S. Paulo (anos 50 e 60, reunidos em livro e relançados recentemente pela Cosac Naify), dentre outros tantos críticos dos tempos da cinefilia pré-Cinemark.
Mas, por outro lado, cada um tem a sua própria caminhada de descobertas e aprimoramentos artísticos e intelectuais; além do mais, os modelos da antiga crítica estão sendo sistematicamente “erodidos” pela nova economia e cultura da “web”, como bem afirmou Smith, não? Portanto, quem sou eu para dizer o que os outros devem ler ou escrever? O fato é que existem vários caminhos – graças a Deus – que levam das meras “opiniões” até as “ideias” e “insights”; mas são caminhos que precisam ser trilhados de qualquer jeito. De qualquer maneira, incomoda-me profundamente, por exemplo, o apego exagerado que muitas vezes se tem (na tela ou no papel) ao infame sistema das “estrelinhas”, para se fazer a “cotação” de um filme (como se este fosse uma ação da bolsa de valores...)
Como ser que escreve, procuro expressar-me e persuadir o leitor através de palavras. É com estas, e nada mais do que estas, que qualquer ser que lê deverá procurar entender se gostei ou não de um filme e por que razões (uma vez, faz algum tempo já, um leitor do Sombras Elétricas escreveu um comentário um tanto quanto impaciente, perguntando-me se, afinal de contas, eu tinha gostado ou não do filme que analisara; prefiro pensar, verdadeiramente, que falhei então no meu intento de crítico e de escritor). Enfim, não uso estrelinhas; dificilmente usaria estrelinhas (só não digo nunca, porque não se pode cuspir para cima, não é?). Mas entendo quem goste de usá-las, ou apreciá-las. Contanto que se faça moderadamente: as estrelas, ou notas, ou “emoticons” variados devem servir à argumentação, e não vice-versa (tampouco, é lógico, abolir-se – quase – absolutamente a argumentação em favor da “nota”).
Acredito que todo autor de blog deve procurar equilibrar e fazer dialogar o entusiasmo da sua expressão com o prazer e a inteligibilidade do leitor, da maneira como melhor lhe aprouver e num grau bastante fundamental de escrita. Sei que isso é difícil muitas vezes (e aqui vai um merecido mea culpa), mas se não houver tal preocupação, cairemos dentro do diagnóstico negativo da FC (aquele produzido pelo seu editor em 2006, que isso seja bem lembrado, o qual duvida, ele próprio, da pertinência de sua afirmação) e não contribuiremos em nada para a próxima era de ouro da crítica de cinema, que, segundo o articulista Paul Brunick, poderá nascer através do ciberespaço. Mãos à obra, bloggers! (Próxima postagem: a primeira parte do artigo em questão).
Como pontapé inicial para nossas discussões aqui, reproduzo e comento o editorial. Na sequência, virá a primeira parte da matéria publicada (a segunda aparecerá na edição de setembro / outubro). Acredito piamente que esses textos ajudarão – e muito – os blogueiros tupiniquins a refletirem mais apuradamente a respeito de sua própria e subterrânea prática, tomando quem sabe outros e maiores fôlegos de encorajamento e inspiração. Quanto aos críticos “profissionais”, conheço pouco de suas vidas para tecer quaisquer sugestões, mas a leitura da parte deles será também, com certeza, útil e bem-vinda. Vamos lá.
Carta do Editor
A prática da crítica cinematográfica aparentemente venceu, no final dos anos 60, a batalha para ser levada a sério (tal vitória foi reforçada, em certo grau, pela ascensão dos estudos fílmicos no universo acadêmico, embora até hoje muitos editores de artes e cultura se contentem em selecionar pessoas desqualificadas e sem qualquer perícia discernível em cinema para serem comentadoras de filmes). Mas, desde o final dos anos 70, os críticos de cinema têm se visto cada vez mais como uma espécie em perigo de extinção. Isto se deveu, inicialmente, à ascensão dos “blockbusters” e à crescente preferência de Hollywood pelo público adolescente nos anos 80 – o que fez com que a abordagem crítica de filmes (“criticism” – n. do t.) parecesse algo impertinente e inútil. Colocando em outras palavras, quanto mais a cultura cinematográfica começava a se polarizar, mais difícil ficava para alguns críticos encontrar uma quantidade suficiente de filmes que valessem a pena discutir.
Uma nova “ameaça” também se levantou: comentadores de filmes para a TV! Há vinte anos atrás, em nossas páginas, o crítico da Time e antigo editor da Film Comment Richard Corliss apressadamente os identificou como Inimigos Públicos Número Um, apontando o dedo acusatório para o seu amigo Roger Ebert (quem se importa que a própria Time, naquela época, fosse basicamente apenas TV em celulose?). Alguns anos antes, em 1987, o advento da revista Premiere – com a sua estratégia purificadora de extirpar a incômoda parte “crítica” da crítica de cinema – foi visto por muitos como o clímax da decadência da cultura cinematográfica: se você estivesse escrevendo sobre filmes que você não viu, você estaria basicamente fazendo uma mistura de jornalismo e publicidade. Quando estourou a notícia de que a editora da Premiere, Susan Lyne, tinha trocado o seu posto por um emprego na Disney, no começo dos anos 90, um crítico soltou a farpa: “Bem, pelo menos agora é oficial.” Não obstante, essa história convenientemente negligencia o fato de que a Premiere manteve os serviços de J. Hoberman, David Denby e, por muitos anos, o de Glenn Kenny, para escreverem sobre filmes que eles realmente tinham visto.
Velhos tempos aqueles! Já no século XXI, é tudo culpa da Internet. Em um editorial de 2006, eu escrevi: “Tenho uma tendência a pensar que os blogs são mais importantes para as pessoas que os escrevem, do que para as pessoas que gostam de ler; eles são prolixos em opiniões, mas limitados em ideias e insights.” Não sei se tal observação poderia ser defendida então, mas com certeza, não agora. A crítica “online”, com todos os seus atalhos e nichos, é tão “mainstream” quanto a Film Comment. Nos festivais de cinema de qualquer porte, desde Cannes até os mais obscuros, a imprensa “online” já não é mais tratada como cidadãos de segunda classe. A questão da sustentabilidade econômica dos blogs é agora tão aplicável quanto a das publicações impressas de todos os formatos e tamanhos – é por isso que, nos últimos cinco anos, os críticos da mídia impressa vêm caindo como moscas, alvos fáceis de chefes de redação que procuram fazer cortes de pessoal. Vivemos verdadeiramente em um período de transição.
O modelo tradicional de crítica de filmes que existia desde os anos 70 – e que ainda é praticado por esta revista – está sendo sistematicamente erodido, tanto de dentro quanto por fora. Forças econômicas, culturais e tecnológicas estão remodelando inexoravelmente a paisagem, bem debaixo dos nossos olhos. Mas, ao invés de chegar a algum acordo com tal situação, muitos dos críticos da velha guarda “impressa” ainda estão travando uma guerra retórica contra os “virtuais” – exceto aqueles que já estabeleceram uma presença “online”, como Todd McCarthy, Jonathan Rosenbaum e Dave Kehr, sem mencionar Roger Ebert.
Assim sendo, nesta edição nós publicamos a parte um de uma valiosa e persuasiva tentativa de pôr as coisas em perspectiva e forçar um cessar-fogo para esta contenda. O texto é assinado por Paul Brunick, colaborador de “vinte e poucos anos” e ex-estagiário da FC. O seu artigo começa na página 36 e continua em nossa próxima edição.
Gavin Smith
Uma amiga minha, não faz muito tempo, disse que estava louca para ver um filme que tinha acabado de estrear (não lembro mais qual era), mas tinha ficado “meio assim”, depois de ler um crítico da Folha de S. Paulo que achincalhou a película. Imediatamente e de modo bastante professoral, eu coloquei as coisas para ela “em perspectiva” – como diz Gavin Smith: tentei explicar em que medida, sempre relativa, devemos levar em conta a crítica de cinema produzida nos grandes órgãos de imprensa; citei exemplos, tanto de erros crassos, quanto de insights geniais, praticados pelos nomes mais famosos do mainstream.
E concluí com uma recomendação que acredito estar no olho do furacão da polêmica toda: se você quer, hoje em dia, ler uma crítica de cinema que não seja apenas vagamente “independente”, mas uma crítica feita com o ardor e o envolvimento gratuitos da inteligência e da sensibilidade de gente cinéfila que não pode (ou não quer) escrever para a Folha, para o Globo ou para a Veja, a Internet é a sua mina de ouro. A ausência de compromisso com qualquer linha editorial, mercado ou público-alvo, aliada à busca simples de visibilidade por quem quer simplesmente se expressar, e expressar o seu amor por uma forma de arte – gratuitamente, que isso fique bem claro – é o maior facilitador para que talentos se desenrolem e frutifiquem em ótimos textos.
Veremos no artigo da FC que dois grandes críticos norte-americanos, Andrew Sarris e Pauline Kael, começaram em formas muito equivalentes de underground. Cabe fazer a ressalva: o subterrâneo não é garantia de nada, a habilitação de competências ocorre por outros meios. Nenhum texto crítico ou filme serão necessariamente bons por serem “indies”, pois não há nada que substitua o estudo, a leitura e a assistência de filmes (perdão pelo arcaísmo), principalmente para o autodidata. Enfim, em outras palavras, o que falei para a minha amiga foi: há muita coisa boba na Internet, mas o que há de bom costuma ser melhor do que o que se vê de interessante no papel.
Então, ela me pediu indicações de sites e blogs que eu achasse legais. Fiz uma lista e passei para ela. Em março de 2008, publiquei aqui no Sombras Elétricas uma pequena relação com o que havia de mais interessante em crítica cinematográfica no ciberespaço; logo mais, pretendo fazer um novo e mais extenso apanhado, desta vez incluindo mais blogs. Uma das mais típicas características do meio virtual (boa ou má) é a sua volatilidade: blogs e sites aparecem e desaparecem a qualquer momento e sem darem maiores notícias. Por isso, é necessário – posto que trabalhoso – manter sempre verificada e atualizada a sua lista de links e de favoritos.
Quanto a revistas impressas em Terra de Santa Cruz especificamente sobre cinema, repito a grande falta que faz alguma que seja voltada majoritariamente para a recepção de filmes (o que exclui periódicos dirigidos à gente que produz, do tipo de Zoom Magazine, ou mesmo a Revista de Cinema) e que não arranque, nas palavras do editor da FC, o termo “crítica” da expressão “crítica de cinema”, como o faria a Premiere (e, com certeza, o seu pastiche tupiniquim, a Set). Além de tudo, seria bom que esta hipotética e messiânica revista tivesse boa distribuição, mesmo em âmbito nacional (o que nos leva a deixar de lado a interessante Paisá, que em São Paulo só pode ser encontrada em algumas bancas da Avenida Paulista – justamente as mesmas em que se costumam achar a Film Comment e a Cahiers du Cinèma).
Voltando mais uma vez ao espaço da “world wide web”, vejamos o que escreve Gavin Smith: “Tenho uma tendência a pensar que os blogs são mais importantes para as pessoas que os escrevem, do que para as pessoas que gostam de ler; eles são prolixos em opiniões, mas limitados em ideias e insights.” Certamente, os blogs são muito importantes para quem os escreve, pois muitas vezes são os únicos veículos em que aspirantes a críticos podem se exprimir publicamente (viva a democracia punk do “faça-você-mesmo” das revoluções tecnológicas). E creio que devemos concordar em parte com o diagnóstico sugerido pela revista, mas buscando talvez outras razões:
já vi muitos blogs de cinema (principalmente de críticos mais jovens) que parecem, voluntária ou inconscientemente, querer mimetizar o modelo de crítica de filme usado pelos grandes jornais de hoje em dia (ou o modelo de artigo das revistas de “gossip”), incluindo indiscriminadamente todos os seus vícios (seja na abordagem dos filmes, seja na construção textual). Sinto-me invadido (mais uma vez) pela vontade professoral de indicar a esses jovens iniciantes a leitura dos artigos do clássico mestre Paulo Emílio no antigo Suplemento Literário do Estado de S. Paulo (anos 50 e 60, reunidos em livro e relançados recentemente pela Cosac Naify), dentre outros tantos críticos dos tempos da cinefilia pré-Cinemark.
Mas, por outro lado, cada um tem a sua própria caminhada de descobertas e aprimoramentos artísticos e intelectuais; além do mais, os modelos da antiga crítica estão sendo sistematicamente “erodidos” pela nova economia e cultura da “web”, como bem afirmou Smith, não? Portanto, quem sou eu para dizer o que os outros devem ler ou escrever? O fato é que existem vários caminhos – graças a Deus – que levam das meras “opiniões” até as “ideias” e “insights”; mas são caminhos que precisam ser trilhados de qualquer jeito. De qualquer maneira, incomoda-me profundamente, por exemplo, o apego exagerado que muitas vezes se tem (na tela ou no papel) ao infame sistema das “estrelinhas”, para se fazer a “cotação” de um filme (como se este fosse uma ação da bolsa de valores...)
Como ser que escreve, procuro expressar-me e persuadir o leitor através de palavras. É com estas, e nada mais do que estas, que qualquer ser que lê deverá procurar entender se gostei ou não de um filme e por que razões (uma vez, faz algum tempo já, um leitor do Sombras Elétricas escreveu um comentário um tanto quanto impaciente, perguntando-me se, afinal de contas, eu tinha gostado ou não do filme que analisara; prefiro pensar, verdadeiramente, que falhei então no meu intento de crítico e de escritor). Enfim, não uso estrelinhas; dificilmente usaria estrelinhas (só não digo nunca, porque não se pode cuspir para cima, não é?). Mas entendo quem goste de usá-las, ou apreciá-las. Contanto que se faça moderadamente: as estrelas, ou notas, ou “emoticons” variados devem servir à argumentação, e não vice-versa (tampouco, é lógico, abolir-se – quase – absolutamente a argumentação em favor da “nota”).
Acredito que todo autor de blog deve procurar equilibrar e fazer dialogar o entusiasmo da sua expressão com o prazer e a inteligibilidade do leitor, da maneira como melhor lhe aprouver e num grau bastante fundamental de escrita. Sei que isso é difícil muitas vezes (e aqui vai um merecido mea culpa), mas se não houver tal preocupação, cairemos dentro do diagnóstico negativo da FC (aquele produzido pelo seu editor em 2006, que isso seja bem lembrado, o qual duvida, ele próprio, da pertinência de sua afirmação) e não contribuiremos em nada para a próxima era de ouro da crítica de cinema, que, segundo o articulista Paul Brunick, poderá nascer através do ciberespaço. Mãos à obra, bloggers! (Próxima postagem: a primeira parte do artigo em questão).