Antes de mais nada, o devido e óbvio elogio ao diretor estreante Renato Falcão, por empreender a façanha de realizar o filme dos seus sonhos por conta do seu próprio bolso. Palmas por realizar e exibir, no Brasil de hoje, uma película muda e em preto-e-branco. A Festa de Margarete é, sob todos os pontos de vista, um filme corajoso e a saúde cinematográfica de uma nação necessita de (mais) filmes assim.
Mas a pergunta que se faz é: quais seriam as razões (mais profundas) de o realizador contemporâneo pensar e levar às vias de fato um filme mudo e em preto-e-branco? Começaremos, como é justo, com os motivos expressos pelo próprio artista, em depoimento ao “Diário de Pernambuco”:
Sempre me irritei com os diálogos brasileiros. As pessoas falavam como se estivessem lendo um papel. Não me considero um roteirista, não tenho formação, mas não me preocupo. Acho que os filmes deveriam ser antes de tudo visuais.
Palmas novamente. O cinema é, antes de mais nada, uma linguagem e uma arte visuais, a arte das imagens em movimento. Também é fato notório no cinema brasileiro o vício teatral da interpretação dos atores. Os atores falam com aquela retórica que fica bela no teatro, ridícula nas novelas de TV, e inaceitável no cinema. Contudo, as dúvidas que eu tenho talvez se resolvessem melhor a partir das seguintes perguntas:
1. Será que o diretor quis fazer um filme mudo e em preto-e-branco porque as imagens em tons de cinza, valorizando o claro-escuro, assim como a ausência de sons diegéticos seriam – por si só – os recursos estilísticos que melhor expressariam as idéias do filme, elaborada na mente do seu criador?
2. Ou será que o diretor quis realizar uma película utilizando – como um todo – a estética dos filmes da era muda, inspirando-se diretamente nela, talvez querendo homenageá-la?
Essas questões são da mais alta importância para sabermos se “A Festa de Margarete” é um filme que funciona ou não. Que é um filme muito bem realizado, em todos os aspectos técnicos, quanto a isso não há dúvidas. Não obstante, paira sobre ele a sombra de uma incoerência.
Por um lado, dada a parca, fragmentada e pouco conhecida história do cinema brasileiro, é interessante pensar que um filme como o de Renato Falcão poderia vir para preencher lacunas, para (re)criar fora do tempo – e de uma maneira um tanto mítica – a história dos nossos filmes, o nosso cânone cinematográfico. Seria uma fantasia, assim como a fantasia de José de Alencar ao tomar o índio Peri como um cavaleiro medieval tupiniquim (no romance “O Guarani”), ou a fantasia do cineasta Mário Peixoto ao propagandear que a sua obra-prima Limite tinha sido vista e elogiada por Serguei M. Eisenstein. Contudo, dada a “situação brasileira”, talvez essas fantasias sejam necessárias... Fazer o quê?
Mesmo assim, A Festa de Margarete apresenta uma incoerência de base bastante grave. Já respondendo, de maneira temerária, a pergunta colocada anteriormente, podemos afirmar que o filme inspira-se, como um conjunto, na estética dos filmes anteriores a 1929. Ele procura reproduzi-la na atuação chaplinesca dos atores: gestos e expressões exagerados, e na trilha sonora que busca “casar” com as imagens. Mas esses são aspectos acessórios da linguagem dos filmes da era muda. Quanto ao principal, Renato Falcão não o traz para o seu filme. Apesar de a iluminação, em alguns momentos, marcar bem os contrastes, e embora alguns planos sejam bem dotados daquele caráter iconográfico típico da infância do cinema, a posição e os movimentos da câmera não são – na maior parte do filme – condizentes com a estética histórica que o diretor quis, através de outros aspectos, representar. Eis a incoerência.
O que mais diferencia a estética daqueles tempos em relação aos nossos – se entendermos o cinema majoritariamente como arte visual – é a imobilidade da câmera. Nos filmes mudos, principalmente nos mais antigos (anteriores a Griffith), a câmera é quase sempre fixa em um único ponto, e esse ponto geralmente não é muito próximo dos atores. Nas poucas vezes em que se movimenta, é sempre um movimento duro e vagaroso (que é o que permitia a tecnologia da época). Apesar disso, “A Festa de Margarete” parece ter sido feito – literalmente – de acordo com a máxima glauberiana: “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”.
Os movimentos rápidos, dinâmicos, leves e dotados de um certo nervosismo subjetivista e daquele caráter jornalístico-documentário que faz a câmera em muitos momentos deste filme não têm nada a ver com os filmes históricos; mas têm tudo a ver com a estética dominante no cinema a partir dos anos 60 e 70. É claro que o filme de Renato Falcão não vai tão longe nesse estilo como, digamos, “Traffic” (EUA, 2000, dir.: Steven Soderbergh); mas nota-se, no filme, mais dessa estética do que suporíamos razoável numa película que busca recriar a estilística dos princípios do cinema.
O esforço pel”A Festa de Margarete” é louvável, mas o resultado final está mais para MTV do que para Griffith ou Chaplin (apesar da temática social do filme).
Mas a pergunta que se faz é: quais seriam as razões (mais profundas) de o realizador contemporâneo pensar e levar às vias de fato um filme mudo e em preto-e-branco? Começaremos, como é justo, com os motivos expressos pelo próprio artista, em depoimento ao “Diário de Pernambuco”:
Sempre me irritei com os diálogos brasileiros. As pessoas falavam como se estivessem lendo um papel. Não me considero um roteirista, não tenho formação, mas não me preocupo. Acho que os filmes deveriam ser antes de tudo visuais.
Palmas novamente. O cinema é, antes de mais nada, uma linguagem e uma arte visuais, a arte das imagens em movimento. Também é fato notório no cinema brasileiro o vício teatral da interpretação dos atores. Os atores falam com aquela retórica que fica bela no teatro, ridícula nas novelas de TV, e inaceitável no cinema. Contudo, as dúvidas que eu tenho talvez se resolvessem melhor a partir das seguintes perguntas:
1. Será que o diretor quis fazer um filme mudo e em preto-e-branco porque as imagens em tons de cinza, valorizando o claro-escuro, assim como a ausência de sons diegéticos seriam – por si só – os recursos estilísticos que melhor expressariam as idéias do filme, elaborada na mente do seu criador?
2. Ou será que o diretor quis realizar uma película utilizando – como um todo – a estética dos filmes da era muda, inspirando-se diretamente nela, talvez querendo homenageá-la?
Essas questões são da mais alta importância para sabermos se “A Festa de Margarete” é um filme que funciona ou não. Que é um filme muito bem realizado, em todos os aspectos técnicos, quanto a isso não há dúvidas. Não obstante, paira sobre ele a sombra de uma incoerência.
Por um lado, dada a parca, fragmentada e pouco conhecida história do cinema brasileiro, é interessante pensar que um filme como o de Renato Falcão poderia vir para preencher lacunas, para (re)criar fora do tempo – e de uma maneira um tanto mítica – a história dos nossos filmes, o nosso cânone cinematográfico. Seria uma fantasia, assim como a fantasia de José de Alencar ao tomar o índio Peri como um cavaleiro medieval tupiniquim (no romance “O Guarani”), ou a fantasia do cineasta Mário Peixoto ao propagandear que a sua obra-prima Limite tinha sido vista e elogiada por Serguei M. Eisenstein. Contudo, dada a “situação brasileira”, talvez essas fantasias sejam necessárias... Fazer o quê?
Mesmo assim, A Festa de Margarete apresenta uma incoerência de base bastante grave. Já respondendo, de maneira temerária, a pergunta colocada anteriormente, podemos afirmar que o filme inspira-se, como um conjunto, na estética dos filmes anteriores a 1929. Ele procura reproduzi-la na atuação chaplinesca dos atores: gestos e expressões exagerados, e na trilha sonora que busca “casar” com as imagens. Mas esses são aspectos acessórios da linguagem dos filmes da era muda. Quanto ao principal, Renato Falcão não o traz para o seu filme. Apesar de a iluminação, em alguns momentos, marcar bem os contrastes, e embora alguns planos sejam bem dotados daquele caráter iconográfico típico da infância do cinema, a posição e os movimentos da câmera não são – na maior parte do filme – condizentes com a estética histórica que o diretor quis, através de outros aspectos, representar. Eis a incoerência.
O que mais diferencia a estética daqueles tempos em relação aos nossos – se entendermos o cinema majoritariamente como arte visual – é a imobilidade da câmera. Nos filmes mudos, principalmente nos mais antigos (anteriores a Griffith), a câmera é quase sempre fixa em um único ponto, e esse ponto geralmente não é muito próximo dos atores. Nas poucas vezes em que se movimenta, é sempre um movimento duro e vagaroso (que é o que permitia a tecnologia da época). Apesar disso, “A Festa de Margarete” parece ter sido feito – literalmente – de acordo com a máxima glauberiana: “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”.
Os movimentos rápidos, dinâmicos, leves e dotados de um certo nervosismo subjetivista e daquele caráter jornalístico-documentário que faz a câmera em muitos momentos deste filme não têm nada a ver com os filmes históricos; mas têm tudo a ver com a estética dominante no cinema a partir dos anos 60 e 70. É claro que o filme de Renato Falcão não vai tão longe nesse estilo como, digamos, “Traffic” (EUA, 2000, dir.: Steven Soderbergh); mas nota-se, no filme, mais dessa estética do que suporíamos razoável numa película que busca recriar a estilística dos princípios do cinema.
O esforço pel”A Festa de Margarete” é louvável, mas o resultado final está mais para MTV do que para Griffith ou Chaplin (apesar da temática social do filme).