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segunda-feira, março 04, 2013

Na Neblina


No coração das trevas

Na Neblina (“V tumane”, Alemanha / Países Baixos / Letônia / Bielorrússia / Rússia, 2012) é o segundo longa-metragem de ficção do cineasta bielorrusso Sergei Loznitsa, que anteriormente fazia documentários. Estreou nesta sexta-feira em São Paulo, em uma única sala. O primeiro, intitulado Minha Felicidade, foi exibido na Mostra Internacional de SP em 2010 e teve um também tímido lançamento comercial em 2012. Na Neblina segue com o perturbador mergulho no “coração das trevas” das florestas eslavas, de um modo muito claramente caro ao cineasta, beirando a misantropia. E estamos muito longe, aqui, do misticismo de ares panteístas de um Andrei Tarkovski. Os planos longos de Loznitsa sugerem antes um estado de choque que uma contemplação. A natureza e o ser humano parasitam um ao outro em uma relação de reflexos simbólicos de sua própria inospitez e ignomínia.

O filme nos faz acompanhar os pesados passos de um homem que, durante a ocupação nazista da Bielorrússia, é preso com um grupo de sabotadores. Os outros são enforcados, ele é libertado. Mas, longe de ser uma clemência, esta poderá se tornar a sua pior condenação. Olhado com desconfiança e constrangimento pela família, pela comunidade e pelo Estado, ficará a pergunta, como que marcada a ferro e a fogo em sua pele: será um traidor? Um colaboracionista? Impossível resolver a dúvida, impossível conviver com ela. O suicídio também não será uma solução, pois o próprio protagonista diz que comprovaria a tese de que ele é um traidor e teria “se arrependido”. A escuridão vai dominando progressivamente a sua alma, enquanto seu corpo se deixa levar por um território semi-selvagem no qual a barbárie parece agir e influenciar através da neblina, já presente no título.

Nos dois filmes de Loznitsa, faz-se presente o aspecto mais aterrador de uma força ctônica: a sensação é de sermos enterrados vivos, pás de terra sendo jogadas sobre nosso corpo (em essência, nada diferente da cena que abre Minha Felicidade: uma vítima da máfia sendo soterrada por cimento fresco). Em Na Neblina, a densidade – tanto psicológica quanto literal – da atmosfera faz refletir (espelhos, mais uma vez) a densidade alegórica da terra: o filme abre com um soldado vermelho se desequilibrando no tronco que atravessa um riacho e caindo com os dois pés na água lamacenta, que lhe cobre até os joelhos. Em outro momento, o protagonista (prestes a ser executado por esse mesmo soldado, por sua “traição”) pede para que se cumpra a ordem em um terreno mais elevado, pois não quer cair morto, e insepulto, no pântano. Ao longo do filme, desde o começo até o final, vemos uma quantidade inquietante de cadáveres deixados ao ar livre.

Em Sergei Loznitsa, a densidade claustrofóbica dos elementos: em primeiro lugar, a terra; em segundo, o ar; acaba (ou deveria acabar), invariavelmente, engolindo o homem, que nada mais seria do que um fruto mal medrado de suas obscuras entranhas. A neblina que apaga completamente o protagonista (e a própria tela) no último plano deste filme reverbera a escuridão total para a qual caminha o personagem principal no fim de Minha Felicidade: ambos se entregam, em absoluto, a uma natureza terrível da qual não se pode escapar, porque é nela (dela) que nascemos, a ela estamos amarrados e nela seremos (ou precisamos ser) enterrados. A progressão narrativa vai conduzindo a lenta e gradual transformação do indivíduo em bicho (da terra), em coisa. Depois, em pó, em nada. As parábolas de selvageria e barbárie em que parecem se constituir os dois longas ficcionais de Loznitsa ganham mais força ainda através dos cenários geográfico-sociais de suas histórias: longe de qualquer centro urbano, civilizado, conhecido. Não há sequer quaisquer referências a tais. O mergulho no coração das trevas é total.

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