A famosa – e maliciosa – frase “O inferno são os outros”, de Jean-Paul Sartre, há de encaixar redondamente no fulcro das experiências mostradas em Pacto Sinistro (“Strangers on a Train”, 1951). Bruno Anthony (vivido pelo ótimo Robert Walker, de quem se sugere que tenha se identificado bastante com o personagem, até falecendo pouco tempo depois do filme: carreira meteórica) trará um grande inferno existencial para Guy Haines (Farley Granger, que já tinha trabalhado com Hitchcock em Festim Diabólico – 1948).
A pergunta que se coloca no cerne da tensão dramática é: como se livrar de um indivíduo cuja vontade seja dotada da determinação de uma intencionalidade? O pior é que a obsessão do fidalgo Bruno será disparada inadvertidamente pelo próprio tenista (Haines). Alfred Hitchcock, por um lado, trabalhará a oposição entre os dois personagens até o paroxismo. Bruno Anthony tomará a forma e o ar de uma presença fantasmagórica, revelada com a contundência sutil (ou sutileza contundente) própria do mestre do suspense, em duas cenas mais especiais.
Na primeira, vemos à distância a silhueta escura e minúscula do louco recortada contra as colunas de mármore de algum prédio-monumento (em Washington, a “polis” da razão iluminista que enfronha o “ethos” da nação norte-americana: uma dentre as muitas ironias do diretor). Na segunda – a mais perturbadora – vemos Anthony na arquibancada de uma partida de tênis, os olhos fixos em Guy (que jogava), enquanto todos os outros espectadores acompanham com a cabeça as idas e vindas da bolinha.
Bruno: meio arlequin, meio demônio. Um trickster? Talvez não seja tanto o caso. O playboy está mais para um Mefistófeles burlesco; ele não é uma pessoa, mas a encarnação dos desejos mais obscuros de Guy Haines. Aqui – o outro lado do trabalho dialético de Hitchcock – as oposições entre as duas figuras se desfazem. Revelam-se apenas aparentes. A tensão entre os dois personagens é a tensão de um consigo próprio, com o seu segundo “eu” semi-consciente, mal-confesso.
Bruno é a sombra no inconsciente de Guy. É significativa a amizade, a intimidade e a identificação forçadas que o playboy tenta manter a todo custo com o tenista. Dizer que por essa (e por outras) revela-se um subtexto homossexual no filme é fazer uma análise que não logra ir além das superfícies. Unilateral. De qualquer maneira, a profunda cumplicidade entre os dois será expressada no modo operante tipicamente hitchcockiano: através de pequenas figuras de linguagem audiovisuais – no caso, a metonímia – rigorosamente enquadradas num didatismo que a sutileza de outros aspectos da realização mal disfarçam.
Metonímica é a famosa abertura: a montagem alternada dos pés dos dois personagens enquanto se dirigem ao trem que será o ponto de encontro – simbólico, é claro: a vida nos trilhos do destino. Também há uma relação de contigüidade na cena em que Guy confessa à sua (futura?) amante, pelo telefone, que deseja matar a esposa cruel: neste momento, ouvimos um trem passar ao fundo, sinal que remete ao encontro “providencial” com Bruno. Hoje podem parecer bobas essas articulações, no modo como Hitchcock as colocava, mas não há nada que seja mais “especificamente” cinematográfico.
A pergunta que se coloca no cerne da tensão dramática é: como se livrar de um indivíduo cuja vontade seja dotada da determinação de uma intencionalidade? O pior é que a obsessão do fidalgo Bruno será disparada inadvertidamente pelo próprio tenista (Haines). Alfred Hitchcock, por um lado, trabalhará a oposição entre os dois personagens até o paroxismo. Bruno Anthony tomará a forma e o ar de uma presença fantasmagórica, revelada com a contundência sutil (ou sutileza contundente) própria do mestre do suspense, em duas cenas mais especiais.
Na primeira, vemos à distância a silhueta escura e minúscula do louco recortada contra as colunas de mármore de algum prédio-monumento (em Washington, a “polis” da razão iluminista que enfronha o “ethos” da nação norte-americana: uma dentre as muitas ironias do diretor). Na segunda – a mais perturbadora – vemos Anthony na arquibancada de uma partida de tênis, os olhos fixos em Guy (que jogava), enquanto todos os outros espectadores acompanham com a cabeça as idas e vindas da bolinha.
Bruno: meio arlequin, meio demônio. Um trickster? Talvez não seja tanto o caso. O playboy está mais para um Mefistófeles burlesco; ele não é uma pessoa, mas a encarnação dos desejos mais obscuros de Guy Haines. Aqui – o outro lado do trabalho dialético de Hitchcock – as oposições entre as duas figuras se desfazem. Revelam-se apenas aparentes. A tensão entre os dois personagens é a tensão de um consigo próprio, com o seu segundo “eu” semi-consciente, mal-confesso.
Bruno é a sombra no inconsciente de Guy. É significativa a amizade, a intimidade e a identificação forçadas que o playboy tenta manter a todo custo com o tenista. Dizer que por essa (e por outras) revela-se um subtexto homossexual no filme é fazer uma análise que não logra ir além das superfícies. Unilateral. De qualquer maneira, a profunda cumplicidade entre os dois será expressada no modo operante tipicamente hitchcockiano: através de pequenas figuras de linguagem audiovisuais – no caso, a metonímia – rigorosamente enquadradas num didatismo que a sutileza de outros aspectos da realização mal disfarçam.
Metonímica é a famosa abertura: a montagem alternada dos pés dos dois personagens enquanto se dirigem ao trem que será o ponto de encontro – simbólico, é claro: a vida nos trilhos do destino. Também há uma relação de contigüidade na cena em que Guy confessa à sua (futura?) amante, pelo telefone, que deseja matar a esposa cruel: neste momento, ouvimos um trem passar ao fundo, sinal que remete ao encontro “providencial” com Bruno. Hoje podem parecer bobas essas articulações, no modo como Hitchcock as colocava, mas não há nada que seja mais “especificamente” cinematográfico.
Especificamente cinematográfico... Muito bem dito! Opa, caí aqui por acaso e adorei. Parabéns pelo espaço! Voltarei com calma pra tomar choques mais marcantes...
ResponderExcluirValeu, camarada! Volte sempre!
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