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domingo, agosto 10, 2008

A Hora e Vez de Augusto Matraga


A Hora e Vez de Augusto Matraga (Brasil, 1965, dir.: Roberto Santos) é uma adaptação digna da obra de João Guimarães Rosa. Mesmo o filme estando mais para o Cinema Novo do que para o “cosmo de mitos” (Alfredo Bosi) do autor de Sagarana. A dimensão épica do conto se revela com mais força apenas no final – o grande clímax – genuinamente apoteótico: dizem que o próprio Guimarães Rosa se orgulhava do filme, dizendo que o final tinha ficado melhor que o da história escrita. De qualquer modo, é uma fita dotada de sensibilidade poética: nas imagens, trilha sonora e, principalmente, no roteiro muito bem elaborado, cujos diálogos fluem muito bem pelas bocas de grandes e clássicos atores como Leonardo Villar (Augusto Matraga) e Jofre Soares (Joãozinho Bem-Bem).

Escrito por Gianfrancesco Guarnieri, o “script” aproveita muito bem a linguagem sertaneja e poética do escritor mineiro, e de um modo que não soa teatral ou artificial demais – apesar de a encenação de certos trechos lembrar muito algo do tipo Teatro Oficina (coisa do cinema dos anos 60). A história de Nhô Augusto, a última do volume Sagarana, é uma das mais míticas e transcendentes de Rosa. A trágica e epifânica jornada de Nhô Augusto é a própria jornada do herói: jornada de ascensão – queda – redenção – ascensão final, jornada dialética que mistura e resolve as grandes contradições do espírito humano: bem e mal, salvação e pecado, passado e presente (sem esquecer o futuro em vista).

Nhô Augusto atinge a síntese que todos nós tanto buscamos, a síntese entre todos os mais diferentes aspectos e impulsos do seu caráter, devidamente processados em função de uma missão de vida realmente significativa, missão essa que envolve o bem não apenas do indivíduo, mas também do outro – o coletivo. A jornada de abnegação de Nhô Augusto revela-se uma jornada (com a devida conquista) da grande realização pessoal. Enquanto se afirmava a si próprio, Nhô Augusto negava-se; passando a se negar, ele conquistou a verdadeira auto-afirmação.

É uma dialética complexa mesmo, mas que está presente em narrativas das mais diversas religiões, mitologias de povos distintos, e até mesmo em nossa indústria cultural: basta ver as histórias dos heróis em “Super-Homem”, “Star Wars”, “Matrix”, ou em “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood (principalmente neste último exemplo, guardadas as devidas variantes e proporções, naturalmente). Todo mundo tem a sua hora e vez. A nossa ainda há de chegar. Iremos para o céu nem que seja “a porrete”... Enfim, ainda não apareceu o filme que incorpore em sua própria linguagem a grandeza do conteúdo e da forma artística de Rosa.

As melhores tentativas ainda são muito tímidas, e fazem a escolha pelo caráter “regionalista” das narrativas (o menor dos aspectos que compõem a grande contribuição do escritor), daí o aspecto de Cinema Novo, neo-realista, que perdura até hoje nas adaptações: basta ver Mutum (2007) – inspirado pela novela Miguilim. No entanto, para expressar as altas ambições filosóficas, míticas e místicas do autor de “Grande Sertão: Veredas”, é preciso trabalhar com outros códigos cinematográficos, a partir de outras tradições. Por exemplo: que tal fazer um filme baseado na obra de Rosa inspirado pelo cinema de Carl Dreyer, Andrei Tarkovski, Akira Kurosawa, Francis Ford Coppola, etc? Ainda estamos esperando...

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