A feérica imagem de Tony Stark forjando sua arma-armadura no interior de uma montanha perdida nas regiões profundas e abjetas do mundo é a imagem do próprio Vulcano (na acepção romana; Hefestos para os gregos), deus da fundição, das artes e armas em metal. Os pais de Vulcano, Júpiter e Juno, expulsaram-no do Olimpo por sua deformidade física, sua feiúra. Tony Stark também será traído por uma figura paterna muito importante, e também pelas divindades “olímpicas” do mundo moderno: a opinião pública e a mídia. É a sina da celebridade: adorada e odiada, temida, tudo ao mesmo tempo. Esperamos que a celebridade faça o seu “trabalho”, corresponda às nossas expectativas (algumas das quais, no entanto, não admitimos sequer para nós mesmos), para melhor as execrarmos exatamente por causa disso.
As celebridades realizam nossos desejos mais sujos, em seu trabalho “sujo”. Olhamos para as celebridades com fascinação e arrogância, ao mesmo tempo. Uma vez que são, para nós, caracteres meramente funcionais, passa ao largo da nossa visão e do nosso entendimento o seu aspecto verdadeiramente humano. As celebridades não são sujeitos; são “personalidades”, ou personas – na acepção de Jung –, cascas vazias de alma individual, representando apenas “tipos” dotados papéis sociais bastante definidos. E – o mais importante – não há qualquer mobilidade entre os papéis, tampouco possibilidade de não se exercer um “papel”. Cegos por tais atributos, os sujeitos-astros da sociedade do espetáculo não vêem ou vivem a própria subjetividade, mas apenas suas personas. Os diferentes efeitos dos estragos psicológicos que isso causa alimentam incansavelmente as colunas sociais da mídia.
Tudo o que foi dito no parágrafo acima aplica-se de modo exemplar à figura fictícia de Tony Stark, e de modo ainda mais exemplar à figura “real” de Robert Downey Jr., persona de si mesmo e do personagem que vestirá a armadura do Homem de Ferro. O sentido original do vocábulo persona diz respeito ao teatro grego antigo: “Persona era o nome da máscara que os atores do teatro grego usavam. Sua função era tanto dar ao ator a aparência que o papel exigia, quanto amplificar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores. A palavra é derivada do verbo personare, ou ‘soar através de’.” (Wikipédia) Na sociedade, todos usamos máscaras também, no delicado jogo da convivência. Daí o sentido psicológico da persona: “na Psicologia Analítica (Jung), é dado o nome de persona à função psíquica relacional voltada ao mundo externo, na busca de adaptação social.” (Wikipédia)
Ninguém há de negar que o que Tony Stark mais busca é justamente a “adaptação social”. A máscara do Homem de Ferro será a forma mais acabada dessa busca, após tentativas, erros e arrependimentos. O Homem de Ferro conclui o longo e sofrido processo de amadurecimento do indivíduo, que finalmente descobrirá uma verdade e a vestirá como uma rígida e férrea armadura, assim como uma arma, contra as forças do meio que constantemente atentam contra a delicada integridade carnal e psíquica do sujeito. Sejamos gratos que Stark tenha descoberto tal verdade antes de sucumbir completamente às forças da coletividade que esmagam o eu dentro da persona que essas mesmas forças lhe impõem. E gratos também a Downey Jr., que se reergueu e agora dá a volta por cima, como artista e como pessoa.
Como Vulcano, a deformidade de Tony Stark é física, mas com fortes implicações metafóricas – e sem qualquer relação com “feiúra”, excetuando-se talvez a feiúra moral. Se o deus clássico é coxo, Stark é “coxo” do coração. Seu coração, após a queda do “Olimpo” passa a requerer um complicado dispositivo tecnológico para continuar funcionando. Assim como Vulcano torna-se coxo após cair das alturas olímpicas, arremessado por seu próprio pai, Júpiter. No entanto, esse isolamento do mundo, essa simulação de morte provocará um renascimento espiritual em Stark. É a jornada do herói (nos estudos míticos de Joseph Campbell), a traumática passagem da perdição à salvação, da descoberta interior, que anima as mais diversas mitologias, os sonhos e também a psicologia analítica. Tal descoberta será auxiliada pela figura arquetípica do velho sábio, representada pelo cientista aprisionado junto com Stark na montanha-inferno dantesco.
A Stark pode ser referida a primeira estrofe da Divina Comédia:
“Nel mezzo del camin di nostra vita
Mi ritrovai per una selva oscura,
Che la diritta via era smarrita.”
(No meio do caminho de nossa vida
Encontrei-me em uma selva escura,
Pois a direita via estava perdida.”
Silogismo básico: 1. Se Robert Downey Jr. é Tony Stark, e: 2. Tony Stark é o Homem de Ferro, logo: 3. Robert Downey Jr. é o Homem de Ferro.
Mas a dimensão vulcânica continua: ao voltar para o mundo, Stark se fechará no seu palácio-oficina de Vulcano e, com a ajuda dos seus ciclopes robóticos, desenvolverá com labor e indústria a maior de todas as armas, para o bem. Utilizando-se dos mesmos talentos e instrumentos que antes serviam ao mal, Stark agora se tornará um herói. É a hora e vez de Tony Stark, assim como temos – na gloriosa literatura de Guimarães Rosa – a Hora e Vez de Augusto Matraga. Os mitos são universais. O grande rival de Vulcano (forjador das armas) é Marte (Ares, o deus da guerra). Assim, apesar de Stark ser o criador das armas usadas na guerra, ele lutará contra o conflito e contra a destruição. A origem anglo-saxônica do nome Stark aponta para o significado de forte, firme, confirmado até o último grau. O nome já indica o caráter. O caráter promove a ação. O resto é Heavy Metal.
As celebridades realizam nossos desejos mais sujos, em seu trabalho “sujo”. Olhamos para as celebridades com fascinação e arrogância, ao mesmo tempo. Uma vez que são, para nós, caracteres meramente funcionais, passa ao largo da nossa visão e do nosso entendimento o seu aspecto verdadeiramente humano. As celebridades não são sujeitos; são “personalidades”, ou personas – na acepção de Jung –, cascas vazias de alma individual, representando apenas “tipos” dotados papéis sociais bastante definidos. E – o mais importante – não há qualquer mobilidade entre os papéis, tampouco possibilidade de não se exercer um “papel”. Cegos por tais atributos, os sujeitos-astros da sociedade do espetáculo não vêem ou vivem a própria subjetividade, mas apenas suas personas. Os diferentes efeitos dos estragos psicológicos que isso causa alimentam incansavelmente as colunas sociais da mídia.
Tudo o que foi dito no parágrafo acima aplica-se de modo exemplar à figura fictícia de Tony Stark, e de modo ainda mais exemplar à figura “real” de Robert Downey Jr., persona de si mesmo e do personagem que vestirá a armadura do Homem de Ferro. O sentido original do vocábulo persona diz respeito ao teatro grego antigo: “Persona era o nome da máscara que os atores do teatro grego usavam. Sua função era tanto dar ao ator a aparência que o papel exigia, quanto amplificar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores. A palavra é derivada do verbo personare, ou ‘soar através de’.” (Wikipédia) Na sociedade, todos usamos máscaras também, no delicado jogo da convivência. Daí o sentido psicológico da persona: “na Psicologia Analítica (Jung), é dado o nome de persona à função psíquica relacional voltada ao mundo externo, na busca de adaptação social.” (Wikipédia)
Ninguém há de negar que o que Tony Stark mais busca é justamente a “adaptação social”. A máscara do Homem de Ferro será a forma mais acabada dessa busca, após tentativas, erros e arrependimentos. O Homem de Ferro conclui o longo e sofrido processo de amadurecimento do indivíduo, que finalmente descobrirá uma verdade e a vestirá como uma rígida e férrea armadura, assim como uma arma, contra as forças do meio que constantemente atentam contra a delicada integridade carnal e psíquica do sujeito. Sejamos gratos que Stark tenha descoberto tal verdade antes de sucumbir completamente às forças da coletividade que esmagam o eu dentro da persona que essas mesmas forças lhe impõem. E gratos também a Downey Jr., que se reergueu e agora dá a volta por cima, como artista e como pessoa.
Como Vulcano, a deformidade de Tony Stark é física, mas com fortes implicações metafóricas – e sem qualquer relação com “feiúra”, excetuando-se talvez a feiúra moral. Se o deus clássico é coxo, Stark é “coxo” do coração. Seu coração, após a queda do “Olimpo” passa a requerer um complicado dispositivo tecnológico para continuar funcionando. Assim como Vulcano torna-se coxo após cair das alturas olímpicas, arremessado por seu próprio pai, Júpiter. No entanto, esse isolamento do mundo, essa simulação de morte provocará um renascimento espiritual em Stark. É a jornada do herói (nos estudos míticos de Joseph Campbell), a traumática passagem da perdição à salvação, da descoberta interior, que anima as mais diversas mitologias, os sonhos e também a psicologia analítica. Tal descoberta será auxiliada pela figura arquetípica do velho sábio, representada pelo cientista aprisionado junto com Stark na montanha-inferno dantesco.
A Stark pode ser referida a primeira estrofe da Divina Comédia:
“Nel mezzo del camin di nostra vita
Mi ritrovai per una selva oscura,
Che la diritta via era smarrita.”
(No meio do caminho de nossa vida
Encontrei-me em uma selva escura,
Pois a direita via estava perdida.”
Silogismo básico: 1. Se Robert Downey Jr. é Tony Stark, e: 2. Tony Stark é o Homem de Ferro, logo: 3. Robert Downey Jr. é o Homem de Ferro.
Mas a dimensão vulcânica continua: ao voltar para o mundo, Stark se fechará no seu palácio-oficina de Vulcano e, com a ajuda dos seus ciclopes robóticos, desenvolverá com labor e indústria a maior de todas as armas, para o bem. Utilizando-se dos mesmos talentos e instrumentos que antes serviam ao mal, Stark agora se tornará um herói. É a hora e vez de Tony Stark, assim como temos – na gloriosa literatura de Guimarães Rosa – a Hora e Vez de Augusto Matraga. Os mitos são universais. O grande rival de Vulcano (forjador das armas) é Marte (Ares, o deus da guerra). Assim, apesar de Stark ser o criador das armas usadas na guerra, ele lutará contra o conflito e contra a destruição. A origem anglo-saxônica do nome Stark aponta para o significado de forte, firme, confirmado até o último grau. O nome já indica o caráter. O caráter promove a ação. O resto é Heavy Metal.
Meu Deus, quanta contextualização! excelente texto! heheh
ResponderExcluir"Robert Downey Jr. é o Homem de Ferro": é bem isso mesmo! Quero dizer, sem o ator acho que a qualidade do filme cairia pela metade. Ótima aventura, espero mais ação do próximo e a volta do elenco.
ResponderExcluirTambém espero, mais ação e a volta obrigatória de Downey Jr, Vinícius. Aliás, o ator (no mesmo papel de Tony Stark) fará uma ponta no novo Incrível Hulk, que está prestes a estrear...
ResponderExcluirQuanto à contextualização, apenas me abro de mente e coração ao poder das imagens de um filme e dou asas à imaginação, Ronald... :) Valeu pela preferência, e voltem sempre! hehehe