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quinta-feira, janeiro 24, 2008

As Damas do Bois du Bologne


Não há que subestimar o poder de uma mulher desprezada. Principalmente depois que alguém disse a ela que “não há amor, apenas provas de amor”. É justamente dessas provas que trata As Damas do Bois du Bologne. Hélène é a femme fatale das mais venenosas. A maneira como ela usa tudo e todos em suas maquinações de sentimento e de ressentimento é de dar medo. Especialmente, a maneira como ela usa a pobre da Agnes. No entanto, não podemos esquecer que Hélène é uma mulher desprezada. Suas lágrimas, que só o espectador vê numa cena maravilhosamente filmada, logo no começo do filme, testemunham na defesa desta linda mulher. Falando em lágrimas, isso nos lembra de uma das marcas mais impressionantes desta fita de Robert Bresson: o olhar feminino. Da primeira à última cena, a câmera procura e fixa o olhar das mulheres, particularmente os olhares de Hélène e Agnes. E são olhares que expressam toda a complexidade das almas que há por detrás deles, todo o prazer e o sofrimento, a esperança e o desespero, a crença e a dúvida, a coragem e o medo; nem sempre ao mesmo tempo, mas em momentos variados o aspecto luminoso e o escuro da alma feminina transparecem na tela em todo o seu esplendor. Hélène e Agnes são como Salomé e Maria, Lady Macbeth e Julieta, os pólos positivo e negativo do arquétipo da anima (a figura feminina aos olhos do homem, que corresponde ao “lado feminino” da alma masculina).

Uma outra marca da grande arte deste filme são os diálogos, escritos pelo poeta e cineasta Jean Cocteau. Através deles, percebemos a rica inversão que se faz da velha e manjada simbologia das flores dadas a uma dama por seu pretendente. Aqui, as flores são acima de tudo grilhões – frágeis e fortes, sutis e violentos ao mesmo tempo – que prendem a coitada da Agnes a uma vida da qual luta tanto para se libertar e superar. Como ela mesma diz, por trás daquelas flores há “o rosto de um homem que ameaça”. O irônico é que a verdadeira ameaça está, por sua vez, por detrás desse homem – na figura de Hélène com o seu sorriso de Mona Lisa. E por trás de tal cena, vemos que tudo no filme – objetos e pessoas – é carregado de memória, de história e de intenção. As tais flores serão vistas por quem as recebe de acordo com a intenção que o receptor (Agnes) supõe que tenha o emissor (Jean); para Agnes, aquelas flores têm uma história que ela apenas imagina. Para Jean, o presente terá uma outra história, pois sua intenção é outra; e ele ainda supõe (erradamente) qual seja a intenção e a história da própria Agnes. Não há comunicação eficiente que esclareça todos os mal-entendidos que advirão daí. Pelo menos, não até que seja tarde demais (enquanto isso, Hélène sorri). Dessa forma, acaba havendo muito da história e da intenção de objetos e de pessoas (inclusive a história e a intenção de Hélène) que se furtará à percepção e ao conhecimento dos próprios personagens. O conseqüente engano é inevitável (engano que nasce, no fundo, de um engodo), daí vêm a frustração, a raiva, as atitudes agressivas, o remorso... Hélène é mais (e também menos) do que aparenta. Assim como Agnes. Assim como Jean. Assim como as flores.

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