Jean Vigo é poeta. Sua visão é aquela que se fascina com a novidade das coisas, com o inusitado das coisas. Essa fascinação é algo absolutamente espontâneo, instintivo, não estando ligada a qualquer processo reflexivo-racional. Jean Vigo simplesmente se abre à sensação. Principalmente a dos olhos. Por isso, Jean Vigo é um poeta do cinema. O diretor de O Atalante (1934) olha para as coisas como a criança que está descobrindo o mundo – e este é um olhar sempre renovado de curiosidade e paixão feérica.
Daí o lirismo muito particular de seus filmes, um lirismo “sapeca”: meio nonsense meio brincalhão. A melhor sequência de O Atalante revela de maneira quase didática muito do estilo do cineasta: o velho marujo Pai Jules (Michel Simon) tem em mãos um disco que não pode ser tocado no gramofone quebrado, que está ao lado; ele começa a girar o dedo dentro do raio do disco, como se fosse uma agulha; imediatamente, a música começa a tocar; Pai Jules para e observa, intrigado; volta a girar o dedo
e a música volta a tocar; para e retorna mais uma vez, com o mesmo resultado; então, vê que o jovem grumete da embarcação em que ambos trabalham está meio escondido a tocar um acordeão, divertindo-se com a reação do velho imediato. Logo mais, vemos o capitão Jean (Jean Dasté) mergulhando nas águas profundas e vendo a imagem fantasmagórica de sua jovem esposa (em sobreimpressão) que acabara de fugir – anteriormente, ela tinha lhe dito que aqueles que mergulham a cabeça de olhos abertos n’água
veem a figura da mulher amada. Mais uma vez, o cinema de poesia de Jean Vigo impera. Logo após, o diretor nos mostra o velho gramofone, devidamente consertado por Pai Jules, a tocar alegremente com os muitos gatos do personagem se aproximando e parecendo ouvir a música atentamente – um deles até entra dentro da concha do aparelho. Ainda no mesmo pedaço do filme, é feita uma bela montagem paralela entre Jean no barco (o Atalante) e Juliette (Dita Parlo) em Paris – ambos sofrendo a ausência um do outro.
No final desta cena, vemo-los cada um em sua cama, revirando-se e mexendo os braços como se abraçassem um ao outro – primeiro através da montagem paralela e depois através de uma muito bem encaixada sobreimpressão. Juntemos a isso a preferência do diretor por enquadramentos em ângulos pouco comuns, principalmente a profusão de plongées e contre-plongées; e o jogo de contraste entre o branco e o preto: o branco dos trajes de Juliette e o preto daqueles de Jean,
e especialmente o plano talvez mais belo do filme – Juliette toda de branco andando pelo convés negro do Atalante durante a noitinha e a câmera acompanhando-a em panorâmica. Jean Vigo é um cineasta que entende como poucos o poder da fotogenia, que está no DNA das artes visuais – particularmente a fotografia e o cinema. Este é o único longa-metragem do diretor, que morreu pouco tempo depois. Resta-nos imaginar as obras-primas jamais realizadas.
Daí o lirismo muito particular de seus filmes, um lirismo “sapeca”: meio nonsense meio brincalhão. A melhor sequência de O Atalante revela de maneira quase didática muito do estilo do cineasta: o velho marujo Pai Jules (Michel Simon) tem em mãos um disco que não pode ser tocado no gramofone quebrado, que está ao lado; ele começa a girar o dedo dentro do raio do disco, como se fosse uma agulha; imediatamente, a música começa a tocar; Pai Jules para e observa, intrigado; volta a girar o dedo
e a música volta a tocar; para e retorna mais uma vez, com o mesmo resultado; então, vê que o jovem grumete da embarcação em que ambos trabalham está meio escondido a tocar um acordeão, divertindo-se com a reação do velho imediato. Logo mais, vemos o capitão Jean (Jean Dasté) mergulhando nas águas profundas e vendo a imagem fantasmagórica de sua jovem esposa (em sobreimpressão) que acabara de fugir – anteriormente, ela tinha lhe dito que aqueles que mergulham a cabeça de olhos abertos n’água
veem a figura da mulher amada. Mais uma vez, o cinema de poesia de Jean Vigo impera. Logo após, o diretor nos mostra o velho gramofone, devidamente consertado por Pai Jules, a tocar alegremente com os muitos gatos do personagem se aproximando e parecendo ouvir a música atentamente – um deles até entra dentro da concha do aparelho. Ainda no mesmo pedaço do filme, é feita uma bela montagem paralela entre Jean no barco (o Atalante) e Juliette (Dita Parlo) em Paris – ambos sofrendo a ausência um do outro.
No final desta cena, vemo-los cada um em sua cama, revirando-se e mexendo os braços como se abraçassem um ao outro – primeiro através da montagem paralela e depois através de uma muito bem encaixada sobreimpressão. Juntemos a isso a preferência do diretor por enquadramentos em ângulos pouco comuns, principalmente a profusão de plongées e contre-plongées; e o jogo de contraste entre o branco e o preto: o branco dos trajes de Juliette e o preto daqueles de Jean,
e especialmente o plano talvez mais belo do filme – Juliette toda de branco andando pelo convés negro do Atalante durante a noitinha e a câmera acompanhando-a em panorâmica. Jean Vigo é um cineasta que entende como poucos o poder da fotogenia, que está no DNA das artes visuais – particularmente a fotografia e o cinema. Este é o único longa-metragem do diretor, que morreu pouco tempo depois. Resta-nos imaginar as obras-primas jamais realizadas.
Bons filmes nos unem entre os emaranhados blogs, André.
ResponderExcluirHá tempos eu não xeretava por aqui.
Parabéns: o seu é um trabalho de gente grande, de alguém apaixonado e realmente dedicado.
Espiei várias páginas hoje... comentei Gran Torino, lembrei alguns filmes e alguns artistas importantes... transitei por aqui como por um museu de que gostasse muito e de que estivesse saudosa...
Agradeço a visita ao meu canto e o comentário carinhoso.
Voltarei mais vezes, com certeza.
bjs,
mônica
Ora, eu é que agradeço, Mônica!
ResponderExcluirVisitarei mais vezes o seu canto, já o incluí dentre os meus favoritos...
Bjs.