Um biscoito fino. Feito para parecer caseiro, para parecer que foi feito com o amor, o carinho e a sabedoria inqualificável de uma vovó diligente. No entanto, é industrial. Feito com toda a competência fria, técnica e profissional de um fabricante de produtos. É um chocolate com aroma artificial de baunilha. Jamais natural. Eis o filme Desejo e Reparação (“Atonement”, Reino Unido / França, 2007, dir.: Joe Wright). Um filme feito para abocanhar prêmios, o que até poderia ter acontecido neste último Oscar, caso o páreo não fosse, graças a Deus, muito mais duro (esta fita está aquém de qualquer um dos outros concorrentes a melhor filme). “Atonement” lembra, em alguns aspectos, a velhíssima tradição do filme de arte, os pioneiros a unirem elaboração artística (literária e teatral) com apelo comercial, na primeira década do século XX.
“Atonement” é um filme todo rococó. É de uma estética impecável – o que, neste caso, está longe de ser uma qualidade. É feito para impressionar espectadores sensíveis e com senso estético não mais do que elementar. Em todo caso, o filme é cansativo. Torna-se irritante a sua maravilhosa iluminação, com a luz natural estourada por todos os lados, com um aspecto de ofuscado e de sffumato para dar um clima de sonho, de memória, de passado, de um filme culto e chique. A trilha sonora pontuando as cenas e as emoções sem mão pesada, mas com um dinamismo artificial, muito discursivo, parecendo um comercial de TV. Os riquíssimos e mínimos detalhes dos figurinos, dos cenários – tanto os construídos quanto os naturais: a ambientação é realmente impressionante (!).
Mas não há nada, nisso tudo, que pareça ter nascido e sido elaborado pelo espírito natural e espontâneo de um artista (ou de uma equipe de artistas). Parece um filme feito à risca em cima de uma certa cartilha, em cima do manual do “filme-de-arte-mas-com-apelo-comercial-para-públicos-um-pouco-mais-refinados”. É toda uma sofisticação de boutique, de fachada, com pretensa profundidade, como a arquitetura “neoclássica” que infesta edifícios residenciais de luxo aqui em São Paulo. Não convence. O mais irritante neste filme é a “virtuosa” cena – conscienciosamente elaborada – dos soldados britânicos numa praia francesa à espera de resgate. É o plágio descarado de uma – essa sim – impressionante cena de Apocalipse Now (que eu discuti neste blog no dia 3 de abril deste ano).
Quer dizer, isso apenas nos mostra o quanto a arte se empobrece quando perde a autenticidade. Autenticidade não quer dizer, necessariamente, criatividade e originalidade. Algo autêntico é algo feito de coração, e não com um cérebro que simula um coração. A mera cópia de fórmulas ou padrões estéticos, ou ainda padrões temáticos, ainda que sejam padrões de grande prestígio e legitimidade artística e intelectual, não produzirá nada de realmente substancial, caso não venha acompanhada de uma presença de espírito. Não parece que o diretor, o roteirista, o produtor e outros envolvidos acreditam neste filme, tenham fé nele. O filme causa a impressão de ser feito a toque não mais do que profissional. É um filme marketeiro.
A história, os personagens e os temas discutidos são até que bem interessantes; mas, se for só por eles, é preferível ler o livro (o filme baseia-se num romance). Torcendo, é claro, para que o livro trate esses conteúdos dentro de escolhas literárias interessantes e pertinentes; caso contrário, cair-se-á na desgraça total (tanto literária quanto cinematográfica) que foi O Caçador de Pipas. “Atonement” é um filme tão interesseiro quanto, mas um pouco menos pior – digamos assim. Creio que alguns profissionais e estudantes do Audiovisual – assim como alguns cinéfilos – acharão este filme “perfeito”, “lindo”, “muito competente”. Não discordo de nada disso. Apenas acho que lhe falta algo a mais, uma coisa da qual nenhuma obra de arte, ou produção cultural alguma, deveria prescindir: uma alma. Este filme pretende ter muito coração, mas não parece ter sido feito de coração.
“Atonement” é um filme todo rococó. É de uma estética impecável – o que, neste caso, está longe de ser uma qualidade. É feito para impressionar espectadores sensíveis e com senso estético não mais do que elementar. Em todo caso, o filme é cansativo. Torna-se irritante a sua maravilhosa iluminação, com a luz natural estourada por todos os lados, com um aspecto de ofuscado e de sffumato para dar um clima de sonho, de memória, de passado, de um filme culto e chique. A trilha sonora pontuando as cenas e as emoções sem mão pesada, mas com um dinamismo artificial, muito discursivo, parecendo um comercial de TV. Os riquíssimos e mínimos detalhes dos figurinos, dos cenários – tanto os construídos quanto os naturais: a ambientação é realmente impressionante (!).
Mas não há nada, nisso tudo, que pareça ter nascido e sido elaborado pelo espírito natural e espontâneo de um artista (ou de uma equipe de artistas). Parece um filme feito à risca em cima de uma certa cartilha, em cima do manual do “filme-de-arte-mas-com-apelo-comercial-para-públicos-um-pouco-mais-refinados”. É toda uma sofisticação de boutique, de fachada, com pretensa profundidade, como a arquitetura “neoclássica” que infesta edifícios residenciais de luxo aqui em São Paulo. Não convence. O mais irritante neste filme é a “virtuosa” cena – conscienciosamente elaborada – dos soldados britânicos numa praia francesa à espera de resgate. É o plágio descarado de uma – essa sim – impressionante cena de Apocalipse Now (que eu discuti neste blog no dia 3 de abril deste ano).
Quer dizer, isso apenas nos mostra o quanto a arte se empobrece quando perde a autenticidade. Autenticidade não quer dizer, necessariamente, criatividade e originalidade. Algo autêntico é algo feito de coração, e não com um cérebro que simula um coração. A mera cópia de fórmulas ou padrões estéticos, ou ainda padrões temáticos, ainda que sejam padrões de grande prestígio e legitimidade artística e intelectual, não produzirá nada de realmente substancial, caso não venha acompanhada de uma presença de espírito. Não parece que o diretor, o roteirista, o produtor e outros envolvidos acreditam neste filme, tenham fé nele. O filme causa a impressão de ser feito a toque não mais do que profissional. É um filme marketeiro.
A história, os personagens e os temas discutidos são até que bem interessantes; mas, se for só por eles, é preferível ler o livro (o filme baseia-se num romance). Torcendo, é claro, para que o livro trate esses conteúdos dentro de escolhas literárias interessantes e pertinentes; caso contrário, cair-se-á na desgraça total (tanto literária quanto cinematográfica) que foi O Caçador de Pipas. “Atonement” é um filme tão interesseiro quanto, mas um pouco menos pior – digamos assim. Creio que alguns profissionais e estudantes do Audiovisual – assim como alguns cinéfilos – acharão este filme “perfeito”, “lindo”, “muito competente”. Não discordo de nada disso. Apenas acho que lhe falta algo a mais, uma coisa da qual nenhuma obra de arte, ou produção cultural alguma, deveria prescindir: uma alma. Este filme pretende ter muito coração, mas não parece ter sido feito de coração.
Podem dizer o que quiserem, mas para mim "Atonement" continua sendo o segundo melhor filme desse ano (só perdendo para "Sangue Negro", claro). Ainda assim concordo com vários pontos de seu texto. Até mais!
ResponderExcluirAssim ...
ResponderExcluiré aquela coisa parece Casos de Familia melhorado ... muitos chiam porém quando o furor do filme passar ... vai ver isso ...
e pense como queria meter um cacete naquela vaca da Briony!
É isso aí, Vinícius! Acho que o mais importante mesmo é sermos fiéis aos nossos pontos de vista, e trocar idéias sobre eles, até mesmo tentar concordar em certos aspectos. É por isso que eu escrevo em BLOG! Valeu!
ResponderExcluirHahaha!... Muito bem lembrado, Johnny! "Casos de Família melhorado"! Só faltou a Márcia Goldsmith, ou a Oprah... Enfim, eu queria era "meter o cacete" (no bom sentido, hehehe) na Keira Knithley molhadinha e quase pelada da foto...
Caro André, esse filme é ótimo em sua parte técnica e excelente em interpretações. Uma ótima adaptação!
ResponderExcluirAbraço!
Concordo!
ResponderExcluirO filme é visualmente impecável, sim, mas não posso negar que não só tenha me emocionado profundamente, mas me apaixonei com o filme todo. Seja sua direção, que nos remete ao verdadeiro significado de amor, ao mesmo tempo que realiza belas homanenagens, seja estas à Doutor Jivago ou ao cinema em sí, ou o elenco sensacionalmente sincronizado. Um filme, ao meu ver, soberbo.
ResponderExcluirCiao!
Sim, eu também sou um apaixonado pelo filme, mas queria saber a opinião do André a cerca de dois filmes: "Filhos da Esperança" e "As Horas"
ResponderExcluirFala, Vinícius! "Filhos da Esperança" ainda não vi. "As Horas" eu achei legal! (Mas já faz tempo que não o revejo) Abraços!
ResponderExcluirPergunto isso para fazer duas comparações, mas já que ainda não viu Filhos da Esperança, falo apenas sobre As Horas. Acho que sua opinião sobre Desejo e Reparação poderia muito bem ser posta a cerca do filme de Stephen Daldry, mas que de maneira alguma ao longa de Joe Wright. Não entendo como não pôde se deixar levar pela história, mas gostou da superficialidade de As Horas.
ResponderExcluirTaí o relato de um fã ressentido!
hahahaha
Então, eu vi As Horas uma vez só e há bastante tempo... Talvez tenha sido o momento, talvez eu tenha ficado mais chato, talvez eu tenha de fato me deixado enganar pelas Horas, ou me desenganar demais sobre Desejo... Enfim... São impressões... Mas vou ver se revejo o filme de Daldry, pra poder falar melhor, e também Filhos da Esperança!
ResponderExcluirCara, pode-se dizer que este filme é um dos longas com a melhor estética dos últimos tempos. Concordo que ele é algo deveras arquitetado, tudo com precisão matemática. Mas se tem uma coisa que esse título é dotado, é de alma.
ResponderExcluirSeus aspectos técnicos são irrepreensíveis. Desde a fantástica fotografia ao roteiro extremamente humano. Ainda notamos uma trilha sonora bem criativa, uma direção competentíssima e uma edição na medida.
Não sei se foi somente comigo, mas não pude conter a emoção. E isso é raríssimo de acontecer. É um dos filmes que faz jus pertencer ao ramo do cinema.
OBS1: Acredito que ele concerteza entá no mesmo nível que os demais concorrentes ao Oscar.
OBS2: Havia tempo que eu não via uma cena tão bem construída como é aquela em que a câmera (em steadycam) percorre o campo de batalha. Kubrick pode dormir tranquilo.
olá André. Sou admirador do seu blog. Gosto mesmo de coração, mas permita-me discordam um pouco de opinião. Acho que você acerta em muitos pontos, o filme realmente é pretensioso e muito "enfeitado", poderíamos dizer. Mas, no que se refere à trilha sonora, eu o considero acima da média. Foi uma das melhores trilhas sonoras que ouvi nos últimos anos.Além de funcionar perfeitamente com a atmosfera dramática do filme, é extremamente sugestiva. Não me parece música de propaganda...
ResponderExcluirDario Marianelli estava muito inspirado. O que falta de expressão e alma no roteiro, sobra na música de Dario. um abraço