A Um Passo da Eternidade (“From Here To Eternity”, EUA, 1953, dir.: Fred Zinnemann) é o modelo inalcançável para muitos filmes “de arte” produzidos hoje em dia com o olho nas estatuetas do Oscar. A receita é: pegue-se uma história de amor promissora, mas com alguns obstáculos factuais (briga de famílias, diferenças de classe social, etc); faça-se com que tais obstáculos concentrem-se na figura de um indivíduo que seja descrito como a encarnação da maldade (ou da ignorância, da falta de consciência da realidade); coloque-se essa história amorosa (o micro) numa moldura histórico-social abrangente (o macro), com pitadas épicas. Por fim, faça-se com que o amor termine em tragédia, mas uma tragédia com ares moralizantes – para que, pelo menos em certo sentido, as coisas terminem bem, as pessoas ganhem experiência e aprendam com a vida e com o mundo.
Encontram-se variações dessa fórmula básica em filmes que vão de Pearl Harbor (2001, dir.: Michael Bay) a Desejo e Reparação (2007, dir.: Joe Wright) – a mais nova encarnação. É um esquema essencialmente romanesco, folhetinesco até; talvez por isso seja tão retomado. Mesmo assim, filme algum (ou nenhuma obra de arte) se faz pela mera aplicação de esquemas, fórmulas, temáticas, estilos, etc. Eis o problema das produções mais recentes. Eu já disse que a estrutura conteudística e formal de “Atonement”, por exemplo, é matematicamente calculada nos mínimos detalhes – e sem grandes sutilezas – para produzir “efeitos”: efeitos estéticos ou efeitos intelectuais / emocionais no espectador. O discurso do filme fica muito evidente, parece propaganda publicitária. “Pearl Harbor” é, obviamente, um milhão de vezes pior nesse aspecto.
São obras muito fechadas e, sobretudo, utilitárias: a de Bay serve para agraciar o público médio e, com isso, conquistar grandes bilheterias; a de Wright serve para agradar ao público mais intelectualizado e sensível à Arte e, com isso, conquistar prêmios (com naturais resultados nas bilheterias também). Os melhores filmes são matematicamente calculados (como princípio estético), mas são, no final de tudo, obras abertas. No entanto, como é difícil encontrar películas assim! Um bom exemplo é “A Um Passo da Eternidade”, que é tudo o que filmes do tipo ”Desejo e Reparação” tentam ser, mas não conseguem. Temos aqui todos os elementos do romance, porém, mais livres, mais soltos, mais sutis e mais sublimes (embora a sutileza no gênero folhetinesco jamais seja lá muito grande).
Todas as dimensões da vida humana são magnificamente orquestradas neste clássico: a psicológica, a social e a histórica. O filme trata do amor, da amizade, da integridade do indivíduo ameaçado pelas coerções do meio, da calúnia, da honra, da lealdade, das relações entre a verdade e a mentira, das alianças “políticas” que se deve fazer para conquistar prestígio e legitimidade no corpo social, da guerra, da arte (a música), do esporte (como talento individual, de cunho que não deixa de ser também artístico), de um momento específico e significativo na História, do remorso, do sacrifício, da flagelação e da auto-flagelação, do crime, do passado (revelado ou escondido a todo custo), da dúvida, do medo do futuro, do patriotismo, da passagem do tempo e dos seus efeitos, dentre outras coisas ainda mais.
Contudo, o filme não apresenta qualquer ar de didatismo, de obra circunstancial e pretensiosa. Quem assiste a ele, não ficará jamais com a impressão de que a película é “sobre isto” ou “sobre aquilo”. Eis exatamente o problema das duas produções mais recentes citadas mais acima. Dizer que “A Um Passo da Eternidade” é sobre o ataque a Pearl Harbor, por exemplo, seria de uma miopia grotesca. Ou sobre uma relação amorosa, ou de amizade, ou sobre o exército, ou ainda sobre um personagem “paria” (o “outcast”). O filme, na verdade, é sobre tudo isso e mais um pouco. E, ao mesmo tempo, sobre nada disso. É difícil fazer uma sinopse de filmes assim. A partir disso, podemos até afirmar que as melhores obras cinematográficas resistem à camisa-de-força reducionista da sinopse.
Nesse sentido, é ilustrativa a “sinopse” que o TCM conseguiu fazer desse filme, para quem o viu neste mês de junho na TV paga digital. Ela diz muita coisa (é mais longa do que um resumo tradicional), mas ao mesmo tempo diz pouca coisa a respeito do que se vai ver, num sentido mais exato. Acaba despertando melhor a curiosidade do espectador que tiver paciência para descobrir o filme conforme vai assistindo a ele. “From HERE to ETERNITY”: Daqui até a eternidade. Só o título original já demonstra a mistura de planos que as melhores obras artísticas promovem: o particular e o universal, revelando-se um ao outro infinitamente, num jogo de espelhos muito bem equilibrado. Vale a pena ver, como parâmetro das grandes conquistas atingidas (no passado) pela Sétima Arte. E nem preciso falar da lendária cena do beijo na praia, entre Deborah Kerr e Burt Lancaster.
Um dos meus filmes preferidos. Entre a intensidade do drama, passando pelo romance, e as cenas de acção tudo está perfeito.
ResponderExcluirÉ um filme de tal gabarito, que jamais outro do mesmo género conseguiu atingir igual brilhantismo.
10/10.
André, curiosamente aluguei "A Um Passo da Eternidade" na última visita que fiz na locadora. E este seu texto inspiradíssimo já me trouxe uma impressão do que devo ver.
ResponderExcluirAbraços.
André,
ResponderExcluirTudo bem?
"A um Passo da Eternidade" é realmente um grande filme.
Mudando a prosa: o que pensa sobre a projeção digital nas salas de cinema do Brasil?
Um abraço.
Olá! A projeção digital ainda está apenas começando por aqui, naturalmente restrita às maiores cidades. O maior problema do Brasil é que muitas cidades simplesmente não têm cinema, ou têm um ou dois, sem variedade de filmes. Parece ser só em cidades com mais de 300 mil habitantes que difusão de salas realmente acontece. Mas em São Paulo novas salas digitais estão surgindo: no Espaço Unibanco do Shopping Pompéia abriram até uma sala IMAX...
ResponderExcluirValeu pelo apoio, galera!
Sou louuuuuuuca por esse filme. Grande historia, cenas brilhantes como essa da praia, e atores e personagens sem defeitos.
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