Já estamos carecas de conhecer a virtuose estilística do Expressionismo e suas diversas ramificações: desde os grandes filmes noir da Hollywood clássica até as mais vagabundas películas de suspense / terror / policial. A técnica expressionista no cinema já foi muito acusada de gratuidade, conforme discuti num antigo post (“A imagem metafórica no Cinema”), embora, nos melhores casos, a solução estética seja carregada de sugestões. De qualquer maneira, ver um desses filmes vanguardistas é ter uma das melhores aulas de cinema que consigo imaginar. Quer alfabetizar-se na linguagem cinematográfica? Quer conhecer de fato o que é que o cinema tem de específico e de diferente com relação às outras artes? Muito simples: Assista a filmes como M, O Vampiro de Dusseldorf (“M”, Alemanha, 1931, dir.: Fritz Lang).
No raiar do cinema falado, esta obra notável do mestre realizador de Metrópolis (1927) e de Desejo Humano (1954), reúne em si o melhor dos dois mundos: reconhecemos tanto os melhores elementos expressivos dos filmes silenciosos, quanto utilizações sonoras (tanto ruídos quanto diálogos) cuja arte até hoje dificilmente é igualada. Vamos ver:
Logo no começo do filme, temos uma das mais antológicas cenas da Sétima Arte: a câmera vem acompanhando em panorâmica a menina Elise Beckmann, que caminha batendo no chão a sua bola. Ela pára na frente de um poste e fica batendo a bola num cartaz de “procura-se”, que se refere justamente ao serial killer de garotinhas (eis o “vampiro” de Dusseldorf). Vemos apenas a bola batendo no cartaz – que antítese magnífica! Então, chega pela lateral a sombra de um homem (que já intuímos ser o assassino), cobrindo metade do cartaz. Quanta expressividade nessas metonímias! (a bola, o cartaz, a sombra) Digam-me que cineasta contemporâneo possui essas sutilezas... Esta cena, de acordo com o professor Ismail Xavier, apresenta ligações muito próximas com a estilística de Alfred Hitchcock. Em ambos os cineastas, temos como preocupação-mor significar o máximo possível através de meios exclusivamente cinematográficos.
O assassino começa a conversar com a pequena Elise e a leva para passear. Aqui, tem-se um exemplo magnífico da montagem paralela oriunda de Griffith (veja-se a seqüência final de O Nascimento de Uma Nação) e que será aproveitada também por Hitchcock: enquanto o “vampiro” caminha com Elise pelas ruas, comprando-lhe balões, a mãe da menina espera ansiosa em casa, olhando para o relógio a todo momento, inquirindo os vizinhos, alegrando-se em vão quando tocam a campanhia (pois é apenas o carteiro). Os acontecimentos, seus dramas e seu suspense, vão sendo construídos lentamente através da montagem paralela. Na mesma seqüência, ocorre a versão cinematográfica do expediente literário do foco narrativo em 1ª ou 3ª pessoas: a mãe de Elise vai até o vão da escadaria em espiral (vemo-la pelas costas) e olha para baixo; então, vemos o que ela vê (câmera subjetiva). Este é outro expediente tipicamente hitchcockiano.
Ah, não se faz mais cinema como antigamente!... Ainda nesta (como já disse, longa) seqüência, a mãe preocupada vai até a janela e grita o nome da filha. Corte. Vários planos, então, sucedem-se – acompanhados do som dos gritos da mãe (veja a integração artística dos recursos sonoros à imagem) – mostrando a escadaria vazia, o pátio vazio, o prato (vazio) de Elise colocado sobre a mesa do jantar, e, finalmente, uns arbustos em algum lugar desconhecido de trás dos quais sai rolando a bola da menina Elise. Precisa mostrar mais alguma coisa?
No raiar do cinema falado, esta obra notável do mestre realizador de Metrópolis (1927) e de Desejo Humano (1954), reúne em si o melhor dos dois mundos: reconhecemos tanto os melhores elementos expressivos dos filmes silenciosos, quanto utilizações sonoras (tanto ruídos quanto diálogos) cuja arte até hoje dificilmente é igualada. Vamos ver:
Logo no começo do filme, temos uma das mais antológicas cenas da Sétima Arte: a câmera vem acompanhando em panorâmica a menina Elise Beckmann, que caminha batendo no chão a sua bola. Ela pára na frente de um poste e fica batendo a bola num cartaz de “procura-se”, que se refere justamente ao serial killer de garotinhas (eis o “vampiro” de Dusseldorf). Vemos apenas a bola batendo no cartaz – que antítese magnífica! Então, chega pela lateral a sombra de um homem (que já intuímos ser o assassino), cobrindo metade do cartaz. Quanta expressividade nessas metonímias! (a bola, o cartaz, a sombra) Digam-me que cineasta contemporâneo possui essas sutilezas... Esta cena, de acordo com o professor Ismail Xavier, apresenta ligações muito próximas com a estilística de Alfred Hitchcock. Em ambos os cineastas, temos como preocupação-mor significar o máximo possível através de meios exclusivamente cinematográficos.
O assassino começa a conversar com a pequena Elise e a leva para passear. Aqui, tem-se um exemplo magnífico da montagem paralela oriunda de Griffith (veja-se a seqüência final de O Nascimento de Uma Nação) e que será aproveitada também por Hitchcock: enquanto o “vampiro” caminha com Elise pelas ruas, comprando-lhe balões, a mãe da menina espera ansiosa em casa, olhando para o relógio a todo momento, inquirindo os vizinhos, alegrando-se em vão quando tocam a campanhia (pois é apenas o carteiro). Os acontecimentos, seus dramas e seu suspense, vão sendo construídos lentamente através da montagem paralela. Na mesma seqüência, ocorre a versão cinematográfica do expediente literário do foco narrativo em 1ª ou 3ª pessoas: a mãe de Elise vai até o vão da escadaria em espiral (vemo-la pelas costas) e olha para baixo; então, vemos o que ela vê (câmera subjetiva). Este é outro expediente tipicamente hitchcockiano.
Ah, não se faz mais cinema como antigamente!... Ainda nesta (como já disse, longa) seqüência, a mãe preocupada vai até a janela e grita o nome da filha. Corte. Vários planos, então, sucedem-se – acompanhados do som dos gritos da mãe (veja a integração artística dos recursos sonoros à imagem) – mostrando a escadaria vazia, o pátio vazio, o prato (vazio) de Elise colocado sobre a mesa do jantar, e, finalmente, uns arbustos em algum lugar desconhecido de trás dos quais sai rolando a bola da menina Elise. Precisa mostrar mais alguma coisa?
Após mais este crime, a população da cidade, especialmente aqueles que têm filhas pequenas, entra em verdadeira paranóia, o que desemboca – sem surpresa – numa terrível caça às bruxas. Procura-se o assassino serial em cada esquina, basta que um cavalheiro se dirija a uma criança. Começamos aqui a ver o poder perigoso de uma coletividade assustada (que no final do filme será levado às últimas conseqüências). Ainda preciso ler o essencial De Caligari a Hitler: Uma História Psicológica do Cinema Alemão, de Siegfried Kracauer, pois, pelo que sei até agora, ele trata da prefiguração do nazismo nos filmes expressionistas alemães.
Este, sem dúvida, é um dos grandes filmes da história do cinema. Não seria ele o melhor filme de Fritz Lang? De resto, mais um bom texto. Abraços.
ResponderExcluirOi, completando o comentário anterior: de fato, vale a pena ler o livro de Kracauer. Um abraço.
ResponderExcluirPuxa! ainda não consegui achar o filme, ams depois dessa excelente crítica a minha vontade de assisti-lo aumentou mais ainda.
ResponderExcluirprimeira visita e comc erteza voltarei!
abraços!
É um dos filmes mais elogiados do Fritzlang, se bem que é meu favorito dele. Mas a obra dele é gigantesca.
ResponderExcluirAliás, vc já viu Godard entrevistando ele? Vale a pena, etc.
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