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segunda-feira, julho 16, 2007

continuação de A Noite dos Mortos Vivos


E aqui chegamos à segunda e mais importante invenção do mestre Romero: a epidemia de seus zumbis perfaz uma parábola política e social. Adaptando-a nos quatro filmes a contextos específicos (anos 60, 70, 80 e século XXI pós-11 de setembro), a mensagem continua rendendo. Muito já se falou sobre a carga alegórica dos morto-vivos de Romero, do que (e de quem) eles representam. Numa perspectiva psicológica, eles se constituem daqueles tão essenciais mas perigosos conteúdos do inconsciente que não estão integrados à consciência. Reprimidos ou abandonados como estão, esses “mortos” sempre voltam para nos “chamar a atenção”; ressentidos, nervosos e famintos (de atenção), eles vêm para nos devorar... A maneira como os zumbis (nos 4 filmes) agarram e devoram os corpos dos vivos tem certa conotação sexual, aqueles zumbis promovem autênticas orgias de luxúria e gula.

Logo no começo de A Noite dos Mortos Vivos, temos dois irmãos que vão visitar o túmulo do pai; só que eles fazem isso mais por imposição da mãe – o irmão, Johnny, demonstra clara e enfaticamente grande desprezo pelos mortos e pelas questões religiosas e sobrenaturais. Curiosamente, ele será a primeira vítima de um zumbi. George Romero explicou muito bem este começo: “The film opens with a situation that has already disintegrated to a point of little hope, and it moves progressively toward absolute despair and ultimate tragedy.” (“O filme abre com uma situação que já se desintegrou ao ponto da pequena esperança, e caminha progressivamente para o absoluto desespero e definitiva tragédia”) A “desintegração” é tanto psíquica quanto social.

Na dimensão social, os mortos-vivos são todos os excluídos da malha capitalista. O famoso crítico Robin Wood diz que o canibalismo de A Noite dos Mortos Vivos “represents the ultimate in possessiveness, hence the logical end of human relations under capitalism” (“representa o mais definitivo em possessão, que é a finalidade lógica das relações humanas dentro do capitalismo”). O próprio Romero deixou bem claro quem são seus zumbis: os imigrantes do terceiro mundo, os iraquianos (e os terroristas, assim como os islâmicos como um todo), os homossexuais, as feministas, os negros, ativistas dos direitos civis, ativistas ecológicos, enfim, o Outro renegado pela burguesia norte-americana. Veja o filme com atenção e surpreenda-se muito com o conteúdo subversivo... Ainda mais em 1968, com tudo acontecendo: Vietnã (a crítica apontou, na fotografia em preto e branco, influências dos tele-jornais de guerra, assim como na violência sanguinolenta de tripas e pedaços de corpos e nas operações de “search and destroy”); “maio de 68” em Paris, o assassinato de Martin Luther King (a discussão racial no filme de Romero é corajosa), etc...

É uma delícia ver, em A Noite dos Mortos Vivos e em Despertar dos Mortos, a inabilidade total, a completa trapalhada do governo, dos cientistas e intelectuais – os “savants” da nossa civilização iluminista –, dos militares, enfim, de qualquer instância ou instituição social em entender, explicar, controlar e resolver o problema da “epidemia”. Isso é muito atual, lembra bastante o “11 de setembro”, por exemplo.

Por fim, a questão racial em A Noite dos Mortos Vivos. Não era de jeito nenhum comum, no cinema norte-americano dos anos 60, uma aventura com o protagonista-herói-líder afro-americano; a personalidade do personagem também escapa de todos os estereótipos raciais ou racistas. Romero diz que não escalou o ator principal (Duane Jones, já falecido) só por ele ser negro, mas quem vê o filme fica com outra impressão... Ainda mais no final... Não contarei como termina a história (seria um spoiler grande demais), mas o desfecho foi uma das razões de a fita ser recusada em grandes distribuidoras, como a Columbia. Digamos que a obra de George Romero, como um todo, não é nem um pouco hollywoodiana.

Night of the Living Dead é um DVD raro de ser encontrado no Brasil. A única edição que conheço é a da Continental Home Vídeo (selo especializado em clássicos), que está esgotada (de acordo com a informação que recebi quando telefonei para lá, há uns 2 anos atrás). Mesmo assim, encontrei o DVD perdido em uma lojinha obscura do centro de São Paulo...

Não confundir a fita original (de 1968, em preto-e-branco) com o “remake” feito em 1990 (dirigido por Tom Savini, mas com roteiro do próprio Romero), que apresenta algumas sutis diferenças (além da colorização, é claro) e é mais fácil de ser encontrado em DVD no mercado.

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