Em Sigmund Freud encontramos o conceito denominado unheimlish, de difícil tradução: no alemão, o termo é ambíguo, podendo significar tanto algo que é familiar quanto algo não-familiar, estranho. Particularmente, entendo o "unheimlish" como o processo de estranhamento que temos, de vez em quando, com relação a certas coisas familiares. Esse estranhamento pode crescer em desconforto até transformar-se em verdadeiro pânico.
A literatura fantástica e de terror freqüentemente trabalha o "unheimlish", desde o conto “O homem de areia” (Der Sandman), do romântico alemão E.T.A. Hoffmann – analisado por Freud no artigo “O Estranho”, em que o pai da psicanálise tenta desvendar as estruturas do terror e do fantástico. Para ele, o terror não é provocado por algo inteiramente fora do comum, desconhecido, sobrenatural, estranho; mas sim por alguma coisa estranha e inexplicavelmente familiar (a explicação talvez só se encontre no inconsciente). A nossa impotência diante de tal coisa é o que despertaria a sensação de medo e horror.
Mas não é apenas o gênero do terror, com seus monstros, fantasmas e ameaças diversas, que desperta o “unheimlish”. Este aparece de modo mais interessante naquilo que é simplesmente fantástico, surreal. O cinema, com suas imagens “reais” em movimento, é um veículo especialmente poderoso para provocar os processos de estranhamento. Filmes surrealistas e experimentais me assustam mais do que filmes de monstros e de fantasmas. E David Lynch é, há trinta anos, o melhor nome do kino unheimlish.
Repito: um filme como Cidade dos Sonhos (“Mulholland Drive”, 2002) provoca em mim muito mais pesadelos do que qualquer película de M. Night Shyamalan. Lynch parece seguir à risca a cartilha freudiana do “unheimlish”: as misturas ambíguas que há, em seus filmes, entre o familiar e o estranho, especialmente em relação à identidade individual (uma mesma mulher que é uma e duas ao mesmo tempo, loira e morena – como vemos em “Cidade dos Sonhos” e também em A Estrada Perdida, “Lost Highway”, 1996), mas também o estranho a partir da familiaridade do universo do subúrbio burguês, tal como aparece em Veludo Azul (“Blue Velvet”, 1987). David Lynch também sabe transformar elementos da cultura dos anos 50, particularmente as músicas românticas, em algo estranho e arrepiante.
Boa parte dos elementos do cinema de Lynch já estão presentes em seu primeiro longa, Eraserhead (sem tradução, pois o filme nunca foi lançado no Brasil, mas o título poderia ser livremente traduzido como “o cabeça de borracha apagadora”). Esse filme é bizarro... O que é aquele bebê? O que é aquele palco onde canta aquela loira “bochechuda”? Quem é ela? Quem é Henry, afinal? O que diz a história? São perguntas que se fazem a muitos filmes de Lynch, mas não deve ser feito disso uma gincana – como quis o marketing de “Cidade dos Sonhos”. Fitas como “Eraserhead” não devem ser vistas com os olhos da razão apegada ao real e ao verossímil, visão que costumeiramente temos a respeito de filmes e que nos foi ensinada pela literatura realista do século XIX e seus romances “de tese”. O cinema de David Lynch é como os sonhos: devemos apenas curtir a “viagem”...
De qualquer maneira, o “unheimlish” é muitas vezes evidente: é familiar para nós uma planta em cima de um criado-mudo; mas é estranho essa planta ser apenas galhos secos e retorcidos e estar – em cima do criado-mudo – em um punhado de terra sem vaso. Eis apenas um dos elementos que compõem o cenário do quarto de Henry, o “eraserhead”.
Estarei entregando a minha idade, mas mesmo assim aqui vai: “Eraserhead” me assusta tanto quanto me aterrorizavam as aberturas do Fantástico nos anos 80. Freud explica. Poltergeist (EUA, 1982, dir.: Tobe Hooper) nunca fez nada em mim – se bem que aquele palhaço e aquela árvore... mas é aí que entra o “unheimlish”.
Enfim, Freud explica.
A literatura fantástica e de terror freqüentemente trabalha o "unheimlish", desde o conto “O homem de areia” (Der Sandman), do romântico alemão E.T.A. Hoffmann – analisado por Freud no artigo “O Estranho”, em que o pai da psicanálise tenta desvendar as estruturas do terror e do fantástico. Para ele, o terror não é provocado por algo inteiramente fora do comum, desconhecido, sobrenatural, estranho; mas sim por alguma coisa estranha e inexplicavelmente familiar (a explicação talvez só se encontre no inconsciente). A nossa impotência diante de tal coisa é o que despertaria a sensação de medo e horror.
Mas não é apenas o gênero do terror, com seus monstros, fantasmas e ameaças diversas, que desperta o “unheimlish”. Este aparece de modo mais interessante naquilo que é simplesmente fantástico, surreal. O cinema, com suas imagens “reais” em movimento, é um veículo especialmente poderoso para provocar os processos de estranhamento. Filmes surrealistas e experimentais me assustam mais do que filmes de monstros e de fantasmas. E David Lynch é, há trinta anos, o melhor nome do kino unheimlish.
Repito: um filme como Cidade dos Sonhos (“Mulholland Drive”, 2002) provoca em mim muito mais pesadelos do que qualquer película de M. Night Shyamalan. Lynch parece seguir à risca a cartilha freudiana do “unheimlish”: as misturas ambíguas que há, em seus filmes, entre o familiar e o estranho, especialmente em relação à identidade individual (uma mesma mulher que é uma e duas ao mesmo tempo, loira e morena – como vemos em “Cidade dos Sonhos” e também em A Estrada Perdida, “Lost Highway”, 1996), mas também o estranho a partir da familiaridade do universo do subúrbio burguês, tal como aparece em Veludo Azul (“Blue Velvet”, 1987). David Lynch também sabe transformar elementos da cultura dos anos 50, particularmente as músicas românticas, em algo estranho e arrepiante.
Boa parte dos elementos do cinema de Lynch já estão presentes em seu primeiro longa, Eraserhead (sem tradução, pois o filme nunca foi lançado no Brasil, mas o título poderia ser livremente traduzido como “o cabeça de borracha apagadora”). Esse filme é bizarro... O que é aquele bebê? O que é aquele palco onde canta aquela loira “bochechuda”? Quem é ela? Quem é Henry, afinal? O que diz a história? São perguntas que se fazem a muitos filmes de Lynch, mas não deve ser feito disso uma gincana – como quis o marketing de “Cidade dos Sonhos”. Fitas como “Eraserhead” não devem ser vistas com os olhos da razão apegada ao real e ao verossímil, visão que costumeiramente temos a respeito de filmes e que nos foi ensinada pela literatura realista do século XIX e seus romances “de tese”. O cinema de David Lynch é como os sonhos: devemos apenas curtir a “viagem”...
De qualquer maneira, o “unheimlish” é muitas vezes evidente: é familiar para nós uma planta em cima de um criado-mudo; mas é estranho essa planta ser apenas galhos secos e retorcidos e estar – em cima do criado-mudo – em um punhado de terra sem vaso. Eis apenas um dos elementos que compõem o cenário do quarto de Henry, o “eraserhead”.
Estarei entregando a minha idade, mas mesmo assim aqui vai: “Eraserhead” me assusta tanto quanto me aterrorizavam as aberturas do Fantástico nos anos 80. Freud explica. Poltergeist (EUA, 1982, dir.: Tobe Hooper) nunca fez nada em mim – se bem que aquele palhaço e aquela árvore... mas é aí que entra o “unheimlish”.
Enfim, Freud explica.
Nooossa! Adorei seu blog. Estava procurando sobre o "Eraserhead" e acho um post enooorme. hahahaa!
ResponderExcluirBoa postagem!
seu blog é realmente sensacional! depois que eu vi Eraserhead e fiquei perturbado com aquela flor sem vaso!!! E toda hr mostrava aquele punhado de terra e plantas secas... putz! sensacional. Nem conhecia sobre o Unheimlish. O engraçado que eu sem saber abusava disso em meus contos!
ResponderExcluirabraço