Nada pode segurar o espírito desbravador do homem, ou melhor, da mulher. Abismo do Medo (“The Descent”, Ingl., 2005) aparece como mais novo candidato a filme “cult”; é uma fita de aventura e terror com algo a mais. As melhores narrativas macabras, na literatura e no cinema, mexem fundo com a sensação mais primitiva de medo e ainda promovem, direta ou indiretamente, discussões mais altas, de ordem psicológica, social ou filosófica. O filme de Neil Marshall faz tudo isso e, o que é melhor, sem dar ares de ambicioso. A densidade – paradoxalmente – aliada à simplicidade é algo difícil de ser alcançado. Ficamos com vontade de conhecer a produção anterior do diretor britânico, Dog Soldiers - Cães de Caça (envolvendo militares e lobisomens), lançada no Brasil somente em DVD.
Filmes como esses, e ainda Eclipse Mortal (“Pitch Black”, EUA, 2000, dir.: David Twohy), espécie de “Alien, o Oitavo Passageiro” com Vin Diesel, ou Hell (EUA, 2003, dir.: Ringo Lam), espécie de “Expresso da Meia-Noite” com Jean-Claude Van Damme, não podem ser reunidos em um gênero (embora a maioria seja de ação ou terror); são antes uma natureza de produções com temas típicos daquelas mais comerciais – muitas vezes com as mesmas pretensões –, porém, são de baixo ou baixíssimo orçamento (em relação, é lógico, aos blockbusters) e dotadas de um “conteúdo” que rasteja sorrateiramente por entre os perigos e os sustos vividos pelas personagens. Na impertinência de classificar esses filmes como “independentes” ou “filmes de arte”, nós os chamamos de “filmes cult”.
A tradição dos filmes cult vem desde os anos 30, graças, por exemplo, ao Frankenstein (1931) de James Whale, com o ator Boris Karloff, e ao Drácula (1931) de Tod Browning, interpretado por Bela Lugosi; são obras que deram corpo e fama ao gênero do macabro, dando um novo salto na década de 50 com os “filmes B” (que envolviam, principalmente, ameaças vindas do espaço, dando corpo e fama também ao gênero da ficção científica), tais quais Plan 9 from Outer Space (1959) de Ed Wood, e The Blob (1958) de Irvin S. Yeaworth Jr.; nos revolucionários anos 60 temos a obra-prima dessa “natureza” de filmes: A Noite dos Mortos Vivos (“Night of the Living Dead, EUA, 1968), do mestre George Romero. Hoje, o “submundo” do cinema nos presenteia esparsamente com obras assim; temos que garimpá-las nas salas de exibição – caso do recente Silent Hill, que não foi sequer dignado com uma resenha mínima pelo grande jornal Folha de S. Paulo – ou, já que muitos desses filmes não são nem lançados nos cinemas, temos que buscá-los no fundo das locadoras de DVD (caso do já citado Dog Soldiers).
Abismo do Medo se encaixa bem na tradição acima, melhor do que alguns, mas ainda longe da genialidade de um George Romero. Como filme de terror, faz parte da melhor sub-divisão do gênero (dentre as muitas que podem se fazer, de várias maneiras e critérios diferentes).
Podemos reconhecer (sob certos critérios) três sub-gêneros no cinema do medo:
1. O terror sobrenatural: fantasmas e elementos além-mundo que interferem e aterrorizam os pobres mortais, caso de Evil Dead – A Morte do Demônio (1981), de Sam Raimi, e de todo o terror japonês. Esses filmes podem envolver, em termos religiosos, um sobrenatural mais “genérico” (caso de Poltergeist e da série Premonição) ou mais específico, especialmente o católico-cristão, caso do clássico O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski.
2. O terror humano: assassinos e sádicos psicopatas bem reais que torturam das piores maneiras suas vítimas inocentes (ou não), caso de Seven – Os Sete Crimes Capitais (1994), de David Fincher, e da famosa e recente série Jogos Mortais. Temos aqui um sub-gênero particularmente “na moda”, onde ainda se enquadra O Albergue. Idéias religiosas ou interferências diretas do sobrenatural podem servir de motivação a esses “monstros” humanos, como no pra lá de clássico O Iluminado, de Stanley Kubrick.
3. O terror natural: animais reais ou imaginários, terrestres ou alienígenas, todos absolutamente selvagens e ferozes. Aqui o homem (ou mulher) de predador passa a presa, volta-se ao estado mais primitivo da vivência: não há civilização “evoluída” ou valores “humanos” que resistam ao chamado arcaico dos instintos. O terror humano também pode se fazer aqui presente, uma vez que, colocadas em uma situação-limite, as pessoas acabam sendo um perigo tão grande (ou maior) umas às outras do que a fera que as cerca e ameaça: temos isso em O Abismo do Medo, onde a situação na qual a natureza se impõe com mais força e verdade mostra quem as personagens são realmente; todas as máscaras psíquicas e sociais caem por terra. A obra-prima aqui, no entanto, é Alien, o Oitavo Passageiro, de Ridley Scott.
Dessas três formas, a última é onde mais facilmente se fazem bons filmes, pois a experiência que ela nos oferece é mais real (ao contrário do terror sobrenatural) e profunda, visto que o medo da natureza selvagem e (ou) desconhecida é o que está mais enraizado em nosso íntimo. No terror humano, é o assassino que muitas vezes assume a função do predador incontrolável, mas corre-se aí o risco de aceitar como natural um (desvio de) comportamento com bases de ordem social ainda a serem esclarecidas adequadamente; além disso, muitos filmes de “psicopatas” são carregados – para mero entretenimento – de um sadismo pouco saudável.
Filmes como esses, e ainda Eclipse Mortal (“Pitch Black”, EUA, 2000, dir.: David Twohy), espécie de “Alien, o Oitavo Passageiro” com Vin Diesel, ou Hell (EUA, 2003, dir.: Ringo Lam), espécie de “Expresso da Meia-Noite” com Jean-Claude Van Damme, não podem ser reunidos em um gênero (embora a maioria seja de ação ou terror); são antes uma natureza de produções com temas típicos daquelas mais comerciais – muitas vezes com as mesmas pretensões –, porém, são de baixo ou baixíssimo orçamento (em relação, é lógico, aos blockbusters) e dotadas de um “conteúdo” que rasteja sorrateiramente por entre os perigos e os sustos vividos pelas personagens. Na impertinência de classificar esses filmes como “independentes” ou “filmes de arte”, nós os chamamos de “filmes cult”.
A tradição dos filmes cult vem desde os anos 30, graças, por exemplo, ao Frankenstein (1931) de James Whale, com o ator Boris Karloff, e ao Drácula (1931) de Tod Browning, interpretado por Bela Lugosi; são obras que deram corpo e fama ao gênero do macabro, dando um novo salto na década de 50 com os “filmes B” (que envolviam, principalmente, ameaças vindas do espaço, dando corpo e fama também ao gênero da ficção científica), tais quais Plan 9 from Outer Space (1959) de Ed Wood, e The Blob (1958) de Irvin S. Yeaworth Jr.; nos revolucionários anos 60 temos a obra-prima dessa “natureza” de filmes: A Noite dos Mortos Vivos (“Night of the Living Dead, EUA, 1968), do mestre George Romero. Hoje, o “submundo” do cinema nos presenteia esparsamente com obras assim; temos que garimpá-las nas salas de exibição – caso do recente Silent Hill, que não foi sequer dignado com uma resenha mínima pelo grande jornal Folha de S. Paulo – ou, já que muitos desses filmes não são nem lançados nos cinemas, temos que buscá-los no fundo das locadoras de DVD (caso do já citado Dog Soldiers).
Abismo do Medo se encaixa bem na tradição acima, melhor do que alguns, mas ainda longe da genialidade de um George Romero. Como filme de terror, faz parte da melhor sub-divisão do gênero (dentre as muitas que podem se fazer, de várias maneiras e critérios diferentes).
Podemos reconhecer (sob certos critérios) três sub-gêneros no cinema do medo:
1. O terror sobrenatural: fantasmas e elementos além-mundo que interferem e aterrorizam os pobres mortais, caso de Evil Dead – A Morte do Demônio (1981), de Sam Raimi, e de todo o terror japonês. Esses filmes podem envolver, em termos religiosos, um sobrenatural mais “genérico” (caso de Poltergeist e da série Premonição) ou mais específico, especialmente o católico-cristão, caso do clássico O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski.
2. O terror humano: assassinos e sádicos psicopatas bem reais que torturam das piores maneiras suas vítimas inocentes (ou não), caso de Seven – Os Sete Crimes Capitais (1994), de David Fincher, e da famosa e recente série Jogos Mortais. Temos aqui um sub-gênero particularmente “na moda”, onde ainda se enquadra O Albergue. Idéias religiosas ou interferências diretas do sobrenatural podem servir de motivação a esses “monstros” humanos, como no pra lá de clássico O Iluminado, de Stanley Kubrick.
3. O terror natural: animais reais ou imaginários, terrestres ou alienígenas, todos absolutamente selvagens e ferozes. Aqui o homem (ou mulher) de predador passa a presa, volta-se ao estado mais primitivo da vivência: não há civilização “evoluída” ou valores “humanos” que resistam ao chamado arcaico dos instintos. O terror humano também pode se fazer aqui presente, uma vez que, colocadas em uma situação-limite, as pessoas acabam sendo um perigo tão grande (ou maior) umas às outras do que a fera que as cerca e ameaça: temos isso em O Abismo do Medo, onde a situação na qual a natureza se impõe com mais força e verdade mostra quem as personagens são realmente; todas as máscaras psíquicas e sociais caem por terra. A obra-prima aqui, no entanto, é Alien, o Oitavo Passageiro, de Ridley Scott.
Dessas três formas, a última é onde mais facilmente se fazem bons filmes, pois a experiência que ela nos oferece é mais real (ao contrário do terror sobrenatural) e profunda, visto que o medo da natureza selvagem e (ou) desconhecida é o que está mais enraizado em nosso íntimo. No terror humano, é o assassino que muitas vezes assume a função do predador incontrolável, mas corre-se aí o risco de aceitar como natural um (desvio de) comportamento com bases de ordem social ainda a serem esclarecidas adequadamente; além disso, muitos filmes de “psicopatas” são carregados – para mero entretenimento – de um sadismo pouco saudável.
(continua no post abaixo)
por infelicidade só está (ainda) nos meus planos esse filme..
ResponderExcluir