quinta-feira, abril 30, 2009

X-Men Origens: Wolverine


X-Men Origens: Wolverine (EUA, 2009, dir.: Gavin Hood) é como os três filmes sobre os X-Men (2000, 2003, 2006): alguns elementos interessantes não deixam de se fazer presentes, mas no conjunto a coisa não chega lá – ao nível que as melhores histórias desses personagens já chegaram. Para sermos mais exatos, no caso aqui é bem mais difícil achar coisas felizes do que aquelas que nos fazem dizer: “xiii”... Dentre as primeiras, vale a pena citar a caracterização do Dentes-de-Sabre (Liev Schreiber) – o “duplo” do anti-herói das garras de adamantium – apesar de a sua imagem não corresponder ao Victor Creed clássico dos quadrinhos.

Agora, dentre os desacertos do filme, ficarei apenas em um, talvez o mais grave – e desnecessário, o que só faz por aumentar a sua gravidade. As grandes super-produções de hoje, graças aos avanços da tecnologia dos efeitos especiais computadorizados, costumam trabalhar muito as cenas de ação usando planos bastante abertos, com vistas a aumentar o arrebatamento emocional (catarse) e a sensação de testemunho real (verossimilhança) por parte do espectador. Explico. Tomemos como exemplo uma hipotética cena de luta entre dois personagens. Quando não é possível ensinar os dois atores a lutar kung fu, ou colocar na tela dois dublês computadorizados fazendo acrobacias sobre-humanas, tudo se resolve facilmente por uns truques de montagem e de enquadramento em planos fechados.

Hoje em dia, num “blockbuster” de Hollywood, essa solução pareceria certamente constrangedora. No entanto, mais constrangedor é utilizar quase que o tempo todo efeitos de CG (computação gráfica) visivelmente pobres. Há duas ou três cenas neste filme, pelo menos, ridiculamente toscas; piores do que as do Homem-Aranha de Sam Raimi. Sendo assim, por que não poupar dinheiro e fazer efeitos especiais à moda antiga – mais concreta e menos longe da “realidade”, digamos assim? Ainda que as impressões causadas não fiquem muito de acordo com o que normalmente se vê nas telas de nosso tempo, se formos tomar o conjunto do cinema (incluindo os clássicos), a fita em questão não fará muito feio.

Mas, por suas escolhas, acredito que a aventura-solo de Wolverine perde bastante dignidade. Uma pena.

domingo, abril 26, 2009

Entre os Muros da Escola


Entre os Muros da Escola (“Entre Les Murs”, França, 2008, dir.: Laurent Cantet) faz a demonstração de um problema que está sempre presente nos debates educacionais: a separação (não apenas pedagógica) entre a instituição escola e a sociedade. O ganhador da palma de ouro de Cannes em 2008 é animado por uma força vertiginosamente centrípeta: vemos aí o universo escolar (e mais particularmente o micro-universo da sala de aula) como se constituísse a totalidade da existência. Toda a ação do filme se passa dentro da escola, exceto a cena inicial que, muito a propósito, mostra o professor protagonista dirigindo-se para o seu local de trabalho. A partir de então, o ambiente escolar será mostrado como um espaço fechado, isolado, estanque, independente. Neste aspecto, o título é altamente sugestivo.

“Entre os muros”: a escola é mostrada como uma prisão (as cenas que mostram os alunos no pátio durante o recreio comprova a conotação), como um espaço de claustrofobia, não apenas no sentido físico, mas também no simbólico. A mise en scène trabalha bem a favor: a maior parte do filme compõe-se de planos próximos, com aquela câmera “na mão” que evoca uma atmosfera documental e ao mesmo tempo intimista. Desse cinema centrípeto, realizado como teatro, depreende-se então o grande drama da educação no formato escolar dos nossos tempos: a escola não interfere (não mais) no mundo; mas o mundo continua interferindo (e cada vez mais) na escola. Por mais que a instituição tente se blindar das vicissitudes sociais, estas arranjam sempre alguma maneira de furar a barragem.

Como exemplo, temos os dramas dos alunos imigrantes (africanos e asiáticos) e as relações de poder entre professores (e diretoria) e estudantes. Considerando-se que a situação real de uma sala de aula (que o filme mostra muito detalhadamente, em cenas bem longas) envolve uma relação (ou conflito) entre personalidades e grupos sociais dos mais díspares, e que – não obstante os fatos – as políticas educacionais em relação às escolas ainda se moldam com surpreendente dogmatismo em valores “iluministas”, o que é que os professores poderão fazer? “Educar” os alunos à custa da realidade (como se faz no filme) ou abandonar o trabalho (como tenta fazer um dos docentes, esgotado até a alma, numa cena de grande impacto)?

Eis a natureza dos impasses que esta fita evoca com sutileza mas com grande força latente. Que não se espere ver em “Entre Les Murs” uma parábola edificante como os clássicos filmes “de professor” – talvez o mais emblemático deles seja Ao Mestre com Carinho (“To Sir With Love”, EUA, 1967, dir.: James Clavell). A função do filme aqui é problematizar; porém, sem qualquer pretensão científica ou ideológica – o que é o melhor. “Entre Les Murs” apresenta-se como uma simples descrição (sequer narração) do cotidiano de trabalho de um professor e uma de suas turmas, numa espécie de neo-realismo jornalístico – ou de “reality show”. O foco está nas vivências das pessoas e nas relações entre elas, com todas as complicadas implicações aí envolvidas. Quando se pensa em educação, dificilmente se pensa (de verdade) nos seus agentes mais importantes: professores e alunos. Mas aí está o exemplo.

quarta-feira, abril 22, 2009

O Cinema Barroco

Humphrey Bogart em "Relíquia Macabra" (1941)

A estética “noir” é uma das mais complexas do Cinema. E também é uma estética altamente apaixonada. Na forma e no conteúdo, o filme “noir” golpeia o espectador com um violento choque de idéias, de emoções e de diferentes experiências sensoriais – tudo dentro do signo da oposição, da antítese. Na forma: o intenso contraste visual entre o claro e o escuro (o “chiaroscuro”); o enquadramento em ângulos inusitados (muitas vezes oblíquos), muitas vezes subjetivos (o que revela o foco predominantemente psicológico desses filmes), além da “intermediação” entre a câmera e o seu foco por espelhos, vidraças translúcidas; o uso de lentes grande-angulares; a sobreposição de imagens, etc. No conteúdo: personagens moralmente ambíguos e misteriosos, principalmente a figura da mulher (a famosa “femme-fatale”); um desenlace dos acontecimentos também dúbio e questionável; a ênfase no crime, no contexto policial e investigativo; o sujeito (ou sujeitos) completamente e cada vez mais desorientado em um mundo opressor cujos segredos mais profundos ele luta (muito em vão) para compreender, etc.

É claro que nem todos os filmes que podem ser mais ou menos enquadrados no gênero ou estilo “noir” possuem todas essas características juntas. O importante é reconhecermos que a divisão da arte em gêneros deve ser sempre feita com bastante maleabilidade e generosidade – mas sem abandonar totalmente quaisquer critérios, é lógico. Uma tarefa sempre mais segura na hora de entendermos um gênero e acompanharmos o seu devir futuro é rastrearmos a sua gênese – ou as suas gêneses, pois geralmente têm-se muitas e diversificadas. Quanto ao filme “noir”, partimos das histórias sub-literárias de detetives da Grande Depressão e passamos pelos filmes de terror da mesma época, pelo cinema do Expressionismo alemão (parada importante esta), pelos romances realistas e naturalistas do século XIX que estudam as profundezas mais podres do ser humano e do mundo, pelo espírito do egocentrismo “gótico”, tenebroso e satânico do Ultra-Romantismo, e chegamos finalmente no universo do Barroco do século XVII.

Eis a origem mais remota do Cinema “Noir”. Ele é a grande atualização do espírito dilacerado do homem da Contra-Reforma. O que não é de se surpreender, pois podemos considerar aquela época como a do doloroso nascimento do “eu” moderno. E hoje (século XX), fala-se muito na dissolução desse mesmo “eu”. Basta vermos com atenção “Seven, Os Sete Crimes Capitais” (1995), de David Fincher, para percebermos claramente os resultados mais recentes e trágicos do processo iniciado com o que se convencionou chamar, em História, de Era Moderna. As relações que mais clamam a serem feitas, tomando-se o cinema de Fincher, não são nem tanto com o “noir”, mas com o próprio barroco em si. Não é à toa que, numa cena-chave do filme, o personagem de Morgan Freeman põe a tocar num aparelho de som (ou seja, temos aqui uma magnífica trilha sonora diegética) a fortíssima “Suíte n. 3: Ária”, de J. Sebastian Bach.

No fundo, o Cinema “Noir” trabalha com a dicotomia mais essencial entre condenação (escuro) e redenção (claro), de um modo mais do que psicológico, chegando às raias do metafísico. E arte do barroco clássico é fundamentalmente religiosa. Entretanto, não podemos nos esquecer de que os filmes “noir” são também frutos de sua própria era; assim, muitas vezes, no jogo entre perder-se ou salvar-se, não ocorre nenhuma dessas coisas, ou ocorrem ambas a um só tempo. A Era Contemporânea, ou Pós-Moderna, é a era por excelência das ambigüidades e das relatividades (o relativismo cultural de valores e de pontos de vista). Resumindo, há uma linha de identificação (casual? causal?) entre o “Noir”, o Expressionismo, o Romantismo e o Barroco.

Um fato curioso é que a definição de “filme noir” nasceu entre críticos de cinema na análise de obras que apenas coincidentemente se identificavam. Os diretores dos filmes “noir” clássicos não sabiam que estavam fazendo uma coisa chamada “cinema noir”, nem pretendiam tanto. A mesma coisa aconteceu com a arte barroca. Ela aconteceu muito espontaneamente ao longo do século XVII; o termo “barroco” (e suas conseqüentes aplicações) somente será cunhado por críticos e historiadores de arte do século XIX. Agora, é claro que, hoje em dia, muita gente faz filme “noir” sabendo e pretendendo fazer filme “noir” – o que, em alguns casos, é um problema grave: basta ver “O Homem Que Não Estava Lá” dos irmãos Coen, ou “Sin City” de Robert Rodriguez e Frank Miller. Mas isso já é uma outra história.

terça-feira, abril 21, 2009

A maldição da cor local

"Capitu", minissérie da Rede Globo exibida em 2008
A literatura romântica brasileira (meados do século XIX) era assolada por uma maldição, que respondia pelo nome de “cor local”. O nacionalismo dos nossos escritores e intelectuais românticos girava em torno do que se acreditava (aqui e no exterior) ser o melhor e o mais específico do Brasil: a natureza tropical exuberante e os índios, vistos dentro dos parâmetros do “bom selvagem”. Esta forma de nacionalismo era muito importante para a época, pois contribuía grandemente para a consolidação cultural da independência do nosso recém-nascido país. Daí os escritores do Romantismo assumirem como verdadeira “missão” a criação, difusão e elogio de uma paisagem, um imaginário, uma mitologia, personagens, cultura e valores particularmente brasileiros – em oposição à herança européia, tida como resquício do colonialismo.

Dentro desta missão, tornou-se praticamente uma obrigação para qualquer escritor brasileiro que pretendesse granjear qualquer reconhecimento, no Brasil e no exterior (pois os intelectuais, críticos e artistas estrangeiros também acreditavam na missão), falar e mostrar em suas obras – sempre de uma maneira positiva, é lógico – aquele lado bom, bonito e gostoso da terra do samba e do futebol (que não existiam naquela época, evidentemente). Ou seja, a literatura nacional precisava ter a “cor local”. Tal obrigação era sempre muito implícita, e fazia-se um grande constrangimento quando o escritor a ousava desobedecer. As críticas eram tão agressivas, como se fosse um caso de traição da pátria. O pobre do escritor era imediatamente acusado de fazer pastiche da literatura européia colonialista. Esta situação soa familiar? Pois é aí que eu quero chegar...

Trocando em miúdos, a nossa literatura (assim como todas as expressões culturais brasileiras) deveria ser nada mais nada menos do que “macumba para estrangeiro”. Este estado de coisas assolou durante muito tempo a nossa produção literária, impedindo-a de se desenvolver e amadurecer. A revolução começou a chegar com o grande Machado de Assis – nosso escritor maior, já se aproximando do final do século. Mesmo assim, o bruxo do Cosme Velho demorou muito para começar a ser aceito. Obras que hoje são fundamentais, como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, eram execradas precisamente por não possuírem a maldita cor local. Mas a evolução não pode ser para sempre contida, e hoje a Literatura Brasileira (graças também aos revolucionários modernistas) pode ter uma conversa de “gente grande” com qualquer outra literatura de qualquer país, apesar dos Jorge Amados da vida...

Já dá para imaginar o que tudo isso tem a ver com o nosso Cinema, não? Pois bem. Na história aos trancos e barrancos do cinema brasileiro, muito daquela velha cor local romântica foi logicamente (re)aproveitada, incluindo aí “novidades” como o carnaval. Carmen Miranda é o maior mito desta cultura, junto de outros exemplos antológicos, como os filmes “Aitaré da Praia” (1925) e “Caiçara” (1950), assim como parte considerável das produções das nossas grandes companhias cinematográficas: a Cinédia, a Vera Cruz e a Atlântida. A ordem do dia era: cinema profissional e industrial nos moldes de Hollywood, mas adaptado ao “contexto” brasileiro, ou seja, com a velha cor local. Nisto, muitas adaptações dos antigos escritores românticos foram empreendidas: principalmente das obras indianistas de José de Alencar: “O Guarani” (1916), “Iracema” (1918) e “Ubirajara” (1919), e da obra sertaneja de Visconde de Taunay: “Inocência” (1915). Só para citar os casos pioneiros, para se ver como a coisa é antiga.

No entanto, a partir dos anos 60 e 70 (Cinema Novo, Cinema Marginal, “Udigrudi”), começou a se desenvolver uma outra linha, totalmente oposta e – aparentemente – mais madura. Assim como, lá no final do século XIX, os romances naturalistas de gente como Aluísio Azevedo procuraram destruir a mitologia romântica a respeito do Brasil e mostrar a realidade mais “podre” dos fatos (a miséria, a violência, etc), o Cinema “Naturalista” mergulhou de cabeça no mundo cão, particularmente o urbano. Os ecos de tal escola se prolongam até hoje, e com muita força – que cineasta ou cinéfilo contemporâneo não acende suas velinhas e se ajoelha no altar de santidades como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Rogério Sganzerla?...

Os maiores sucessos do cinema brasileiro da retomada atestam a tese: “Cidade de Deus” (2002, dir.: Fernando Meireles), que concorreu a quatro Oscars; “Tropa de Elite” (2007, dir.: José Padilha), vencedor do mais recente Urso de Ouro em Berlim. O problema é que tudo isto já se transformou numa onda (ou sempre foi uma onda), quer dizer, eis a “missão” do cinema nacional contemporâneo: fazer filmes de tese (como a literatura do Naturalismo) que discutam os problemas do país (desigualdade social, corrupção política, miséria e sobretudo a violência). Eis a nova Cor Local. Apesar de ser de natureza completamente oposta à cor local romântica, o Naturalismo também possui a sua cor própria.

É tudo uma questão de fórmulas que vão se tornando cada vez mais prontas, fórmulas que servem para agradar o público e o crítico, de acordo com os princípios mais elementares da catarse aristotélica. E continua sendo “macumba para estrangeiro”: alguém duvida de que aquilo que o estrangeiro (principalmente nos países mais desenvolvidos) mais quer ver a respeito do Brasil são “mostras do subdesenvolvimento”? Eis a imagem nacional que mais chega até eles, graças a telejornais e a filmes assim. A coisa toda acaba virando um círculo vicioso. O cinema, em princípio, apenas “mostra”, “denuncia” as misérias brasileiras, e o Brasil só é e continua sendo miserável (aos olhos da platéia exterior) por causa do cinema...

É claro que há (ótimas) exceções, só para citar as mais recentes: “A Via-Láctea” (Lina Chamie) e “Mutum” (Sandra Kogut). Assim como há os bons e maus filmes da escola naturalista: os dois mais famosos que eu citei mais acima se encaixam dentre os primeiros, e a produção de Cláudio Assis é o paradigma dos segundos. E há também o fato de que a nossa “inteligentzia” já está – logicamente – bem mais madura do que na época do Romantismo; por isso, ninguém vai olhar torto para filmes nacionais que não tenham a cor local naturalista (pelo menos, não aqui dentro...). Mas é preciso um equilíbrio maior entre as tendências das produções. É preciso não se prender tanto ao Naturalismo, mas sem voltar ao velho Romantismo, tampouco imitar o cinema estrangeiro. É preciso ir além de tudo isto. Como? Não sei. Mas a História da Literatura pode dar linhas de inspiração: pensemos na revolução temática e estética de Machado de Assis, de muitos do modernistas (mas não todos), e principalmente de João Guimarães Rosa. Tenho uma fé verdadeiramente messiânica de que um dia ainda vai aparecer no nosso Cinema um Machado ou um Rosa...

quinta-feira, abril 09, 2009

Gran Torino


O mito Eastwood. Eis o que vemos na tela, em toda a sua glória. Este filme não dialoga apenas com personagens (ou tipos de personagens) anteriormente interpretados por ele, mas traz ao altar de imolação a própria persona atribuída a um dos atores mais emblemáticos do cinema norte-americano. Estão lá o Estranho sem Nome e o Dirty Harry, tanto quanto as almas envelhecidas em busca de redenção, como os protagonistas de Os Imperdoáveis (1992) e Menina de Ouro (2005). Alguns poderão achar Gran Torino mais do mesmo, mas é inesgotável a reflexão referente aos dois temas mais caros à filmografia de Clint Eastwood: a violência e a redenção. Ambos são elevados a um registro religioso, modulados pelo processo de envelhecimento e pela passagem do tempo – nos quais a morte se encontra sempre à espreita.

Os filmes de Eastwood são feitos e apresentados à maneira de um ritual: compõem uma missa na qual o profano se transfigura em sagrado no processo-limite do sacrifício. Tudo isso parece muito alto e distante, mas a epifania de Eastwood se faz a partir das vivências que formam a vida mais comum e cotidiana. Quando menos se espera, onde menos se espera e com quem menos se espera, atinge-se a Iluminação. A transcendência final que nos liberta da cadeia de erros e remorsos aparentemente insolúveis que tanto assolam o ser. Discutindo Os Imperdoáveis, eu já comparei o cineasta norte-americano ao nosso narrador mito-poético do sertão, Guimarães Rosa. Há definitivamente algo (ou muito) de parábola em tais filmes.

Sem pretensões filosóficas ou proselitistas, Eastwood compõe narrativas simples e envolventes, dotadas daquele poder de sugestão que reconhecemos nas melhores obras de sabedoria. É um cinema maduro. Extremamente. Indiscutivelmente. Clint Eastwood não é para principiantes. Pretendam estes ser “cinéfilos” ou “cineastas” (ou as duas coisas). Mas é mais acessível do que estas palavras podem sugerir. De qualquer modo, é coisa rara. O diretor de Gran Torino não nos concede soluções fáceis, previsíveis – seja no roteiro, seja na mise en scène. Ele nos engana, apenas para nos desenganar. É um processo de esclarecimento (principalmente no tocante à questão da violência) que parte das nossas próprias pulsões bárbaras, esgotando-as ao máximo e atirando-as fora – propositalmente “errando” o alvo, o que mostra ao espectador o constrangimento,

o absurdo, a impertinência de qualquer solução bárbara. “Pode tirar o cavalinho da chuva” parece nos dizer o diretor, de maneira que não deixa de ser irônica, uma vez que inevitavelmente nos lembramos do mito Clint “Dirty Harry” Eastwood. Mas o artista aqui está falando sério, no fundo. Muito sério. Gran Torino apresenta umas três ou quatro cenas antológicas, as quais nem vale a pena citar aqui (sob o risco de tentar parafrasear o sublime). Mas acredito que, qualquer um que assista ao filme e conheça um pouco que seja do mito Eastwood, reconhecerá imediatamente o valor de tais cenas. O cinema que se pratica aqui é dos mais sensíveis, mas de uma sensibilidade muito especial, que só poderia vir do mito de masculinidade Eastwood (não há qualquer paradoxo nisso). Uma lição para tempos tão brutos e macios como o nosso (agora sim, há paradoxo).