quarta-feira, dezembro 26, 2007

Vida Besta


Êta, vida besta, meu Deus...

terça-feira, dezembro 25, 2007

So this is Christmas...


O "Sombras Elétricas" deseja a todos os seus visitantes, leitores e colegas de blogs um feliz natal e um ótimo - e produtivo - ano novo! Que o mundo continue assombrado!

sábado, dezembro 22, 2007

Antes Só Do Que Mal Casado


O novo petardo dos irmãos Peter e Bobby Farrelly é uma refilmagem de The Heartbreak Kid (EUA, 1972, dir.: Elaine May), que circulou no Brasil com dois títulos: “Corações em Alta” e “O Rapaz que Partia Corações”. Este último é a tradução quase literal do nome original da película. Já Antes Só Do Que Mal Casado (“The Heartbreak Kid”, EUA, 2007), a releitura feita pelos Farrelly, lembra bastante o já grande clássico dos irmãos: Quem Vai Ficar Com Mary? (“There’s Something About Mary, EUA, 1995). O título em português, assim como o tema das dificuldades de relacionamento entre pessoas disfuncionais em situações disfuncionais – destacando particularmente a difícil busca do “eu” pelo delicado equilíbrio entre o seu próprio bem-estar e o do “outro” com o qual se tem que conviver – lembra também a clássica comédia dos anos 80 Antes Só Do Que Mal Acompanhado (“Planes, Trains and Automobiles”, EUA, 1987), de John Hughes, com Steve Martin e John Candy.

Em “The Heartbreak Kid”, temos o solteirão quarentão Eddie Cantrow (Ben Stiller), que é pressionado pelo pai (Doc, interpretado pelo ótimo Jerry Stiller, pai real de Ben e o eterno Frank Constanza de Seinfeld) e pelo melhor amigo (Mac – Rob Cordry), um molenga que vive um casamento bem estável, mas no qual é totalmente submisso à mulher. Ambos querem que Eddie se case logo, sem criar grandes expectativas, pré-requisitos ou ideais românticos absurdos; afinal, todo mundo tem que se casar, não? Mas Eddie não deseja abandonar seu sonho de viver um grande amor. Nisto, ele conhece uma bela mulher, Lila (Malin Akerman), identifica-se com ela, ambos se apaixonam e se casam, em pouco mais de um mês – mesmo assim, ele só toma definitivamente a decisão de se casar impulsionado pelo pai e pelo amigo.

Chega a lua-de-mel, em um resort paradisíaco no México, e o pobre Eddie descobre o “outro lado” da mulher: manias das mais diversas (principalmente as sexuais, que são as piores), personalidade difícil e teimosa, uma certa burrice, falta de senso de “si-mi-toque”, problemas físicos (o desvio do septo, que a faz botar comida e bebida pelo nariz, e também a faz roncar) e elementos muito ruins de sua vida presente (ela não tem um trabalho “de verdade” e passada (ela era viciada em cocaína e ainda deve dinheiro a traficantes). Mas que roubada, hein? No meio de tudo isso (nos filmes dos Farrelly, tudo acontece ao mesmo tempo agora), Eddie conhece uma garota que, essa sim, tem tudo a ver com ele (Miranda – Michelle Monaghan). Mas que dilema, hein?

No final, tudo acaba se resolvendo pelo melhor. Ou não. Na verdade, as coisas terminam bem, e ao mesmo tempo mal, para todos. Como acabei de dizer: é tudo ao mesmo tempo agora. O filme é múltiplo, sem ser aberto, vago ou ambíguo. Vislumbra-se um princípio moral no meio e acima de tudo, mas nenhum personagem o segue. Além do mais, as situações são complexas e ainda há a ação do destino... Na última parte, a narrativa vai “enganando” o expectador, conduzindo-o falsamente a um final ora trágico, ora feliz. Mas quando o filme termina de verdade mesmo, percebemos que, em certo sentido, não há final algum. Essencialmente, nada muda. É o ciclo mítico do eterno retorno. Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. O destino tem uma parcela de responsabilidade por isso, mas também têm culpa em cartório as atitudes (inclusive mentais) viciosas dos indivíduos, particularmente nosso protagonista Eddie.

Aqui chegamos ao foco da questão moral. O problema não são as mulheres. O problema é e sempre foi, desde o primeiro momento do filme, Eddie. A sua teimosia, sem querer querendo, é o que lhe dá a alcunha de “heartbreak kid”. O casamento, assim como qualquer forma de relacionamento humano (conforme expliquei no começo) é um delicado equilíbrio entre o bem-estar do “eu” e o bem-estar do “outro”. Mas o que fazer quando esse equilíbrio não pode ser atingido de forma alguma? Antes disso, será que o equilíbrio não pode ser atingido de fato, ou será que as partes em jogo é que não se esforçaram o suficiente? De qualquer maneira, na impossibilidade de se chegar a um acordo, será que se deve pensar apenas em si e no próprio bem-estar, independentemente do como que fique o “outro” nesta história? Ou será que o auto-sacrifício aqui não seria mais interessante? Falando em acordo, será que o casamento, ou qualquer outra relação, mede-se apenas pela barganha, seja ela hipócrita ou não?

Assim, Antes Só Que Mal Casado discute algumas “issues” bastante pertinentes para a sociedade norte-americana. Ainda mais pensando-se que de um lado se tem a América cosmopolita de São Francisco (Eddie, seu pai, seu amigo e Lila) e do outro a América profunda do centro-sul-oeste (Miranda e a família dela – os caipiras “rednecks”). Neste particular, é muito bom citar a piada que sai da boca de Doc / Jerry Stiller, aconselhando o filho a não se meter com a família de Miranda: “It´s the bible belt! These people have guns!” (“Este é o cinturão da bíblia! Estas pessoas têm armas!”). Também dentro do humor “sério”, são hilárias as gags visuais que mostram Eddie / Ben Stiller tentando entrar ilegalmente nos EUA, junto com os coyotes mexicanos, e sendo pego todas as vezes pelos patrulheiros da fronteira.

Mas o que pesa mesmo nesta obra típica dos Farrelly é o humor farsesco, vulgar, escatológico, em algumas cenas memoráveis – principalmente a da urina / close-up na tarja preta / ao som dos mariachis. É um absurdo descarado, sem medo de ser feliz, subvertendo completamente os códigos da cultura e das narrativas amorosas. Esta é a marca mais nítida dos irmãos, que fez com que Quem Vai Ficar Com Mary? causasse um grande impacto à sua época. A mistura explosiva entre registros culturais “altos”: o amor romântico, a heroína que é sempre uma mulher de beleza estonteante, o drama do herói em buscar seu grande amor, a tragédia do destino, a pertinência de questões sociais; e registros culturais “baixos”: toda a escatologia que apela aos aspectos mais repugnantes do corpo, suas funções fisiológicas e seus fluídos – afinal de contas, o relacionamento amoroso-sexual envolve uma grande intimidade entre corpos, não? –, a comédia em que invariavelmente desanda a dramática demanda do sujeito por sua própria felicidade amorosa. Mas chega uma hora em que esse humor, também invariavelmente, cansa.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

A Lenda de Beowulf


Não há que subestimar a importância da exibição em 3D de A Lenda de Beowulf (“Beowulf”, EUA, 2007). É muito fácil, para o nosso gosto contemporâneo, desprezar esse recurso como uma apenas “pirotecnia” com função exclusivamente comercial: “Os efeitos especiais são arrebatadores, mas o roteiro do filme peca em...” – esse seria um lugar comum por demais... comum, na nossa crítica atual. No entanto, por que é que um filme não poderia ter, como dado de maior importância artística, justamente os chamados “efeitos especiais”? Porque eles estão sempre condicionados ao intuito comercial de atrair mais e mais público pagante? Mas Georges Meliès não foi, neste particular, o primeiro prestidigitador do cinema – e até hoje um dos maiores? Será que vamos desqualificar as experiências dele também?

O que eu gostaria de propor é o seguinte: o fator comercial tem a sua pertinência na descrição, na explicação e até mesmo, em alguns casos, na justificação de certos fenômenos cinematográficos; porém, não há qualquer relação lógica em usá-lo como argumento num juízo de valor a respeito de um filme, a não ser que se paute por uma questão de gosto, e de um gosto estritamente pessoal. Os efeitos especiais em um filme não serão dignos de desprezo por serem construídos sob um propósito “comercial”, mas se forem – em si mesmos – construídos de uma forma esteticamente ruim. Portanto, chamo a atenção para o que é realmente mais importante, algo que vez ou outra é esquecido: a experiência cinematográfica em si. Não quero saber se A Lenda de Beowulf é o mais novo “blockbuster” da temporada; o que interessa é que “Beowulf” resgata no público contemporâneo o olhar fascinado e assustado que tinham as platéias de Lumière ou de Meliès.

Eu nunca tinha visto, até então, uma película em 3D; por isso, o que estou prestes a dizer pode ser inexato (para dizer o mínimo): “Beowulf” pode ser considerado um dos momentos fundadores do Cinema. Um divisor de águas, um experimento que pode ou não abrir caminhos, mas que deixará sua marca. Digo isso não apenas me referindo à 3ª dimensão, mas ao cada vez mais rico processo de animação empregado no filme: a digitalização em computação gráfica da figura de atores reais, o que permite trabalhar os efeitos especiais em outro e altíssimo nível. “Beowulf” promove o resgate da experiência cinematográfica mais elementar, experiência essa que tem se tornado cada vez mais rara desde que o cinematógrafo deixou de ser uma novidade tecnológica quiçá curiosa, há praticamente 100 anos. No entanto, a ciência e a tecnologia devem se colocar sempre em movimento, buscando novas maneiras de reinventar a magia do cinema puro. Repito: não há que subestimar essa demanda.

“Beowulf” nos faz repensar toda a linguagem da sétima arte e da arte representativa em geral. A fotografia do cinema sempre se baseou nos princípios da construção pictórica dos quadros pintados em 2D. Mas quando temos a ponta da espada de Beowulf colocada a poucos centímetros do nosso rosto, saltando literalmente para fora do quadro em perspectiva, não conseguimos deixar de lado a tentação de relacionar esse fenômeno com a “perspectiva” inventada na pintura por Brunelleschi, lá pelos idos do século XV. Se aquilo foi considerado a “invenção da realidade”, agora temos a reinvenção da realidade. Trazendo à tona a terminologia especificamente cinematográfica, o nome “fotografia” – para falar da composição da imagem mostrada na tela, perde a exatidão, uma vez que o espectador torna-se como que uma testemunha de corpo presente aos fatos. Meu ceticismo natural fez com que entrasse na sala de exibição sem botar muita fé na tecnologia em 3D (como eu disse, para mim era algo totalmente desconhecido). Mas bastou ver o primeiro minuto de filme para eu sentir o que é “a coisa” de verdade.

A experiência não é como se a platéia estivesse dentro do cenário, envolvida por todos os lados. É mais como se o filme fosse um holograma exibido à nossa frente, o ponto de vista do espectador, obviamente, mantém-se sempre o mesmo. Usando uma imagem natalina, eu diria que “Beowulf” é como um presépio altamente sofisticado. Em dois ou três momentos do filme, eu tive o forte impulso de estender a mão para pegar uma moeda ou uma pedra à minha frente. Em outro momento, por puro reflexo eu joguei para trás o meu rosto quando um galho apareceu súbita e rapidamente para acertá-lo. Tudo isso pode parecer ridículo aos cinéfilos intelectualizados de hoje em dia, amantes de Bergman e de Godard; mas essas questões são as mais essenciais e originais do Cinema em si. Temos de recorrer aos primeiros teóricos da sétima arte, fascinados com a sua magia: Ricciotto Canudo, Louis Delluc, Germaine Dulac, Bela Balazs, Abel Gance, Jean Epstein, Leon Moussinac, Lotte Eisner, Rudolf Arnheim, Serguei Eisenstein.

Pegue-se, como exemplo, as profundas e sutis reflexões de Bela Balazs, que tanto destacaram a importância estética e dramática do primeiro plano (“close-up”), como elemento mais importante da sétima arte. Ou ainda, num período posterior, a defesa apaixonada que André Bazin faz da profundidade de campo (que mantém no mesmo foco nítido tanto os objetos mais “próximos” quanto os mais “distantes” da tela). “Beowulf” praticamente reinventa o primeiro plano e a profundidade de campo. Imagine Bazin e Balazs assistindo a um filme desses. Faça-se a ligação daquele impulso que eu mencionei no parágrafo anterior ao impulso que tiveram os espectadores daquela lendária primeira exibição de “L’Arrivée d’un Train à la Ciotat”, dos irmãos Lumière: a platéia quis fugir do trem que estava para “sair da tela” e “atropelá-la”.

Enfim, a técnica de “Beowulf” em 3D é magnífica e altamente valorosa em si mesma. Mas é, naturalmente, uma técnica ainda pioneira – conseqüentemente, rara e insipiente. Assim, esperamos ansiosamente o desenvolvimento natural dessa estética, pensando no momento em que o 3D não será algo fascinante apenas em si, mas integrado organicamente, dramaticamente, significativamente ao conteúdo do filme, ajudando a expressá-lo de maneira poética, complexa e sutil. Essa integração semântica entre forma e conteúdo – na qual ambas as instâncias possuem valor em função uma da outra, e não um valor apenas em si mesmas – é o que faz as grandes obras de arte. Por exemplo, imagine uma obra-prima da estética do primeiro plano, como A Paixão de Joana D’Arc de Carl Dreyer, exibida em 3D. Ou uma obra-prima da estética da profundidade de campo, como o Cidadão Kane de Orson Welles, mostrado em três dimensões. É claro que sempre haverá algum “Velho do Restelo” (leia os Lusíadas de Camões) pronto para jogar um balde de água fria nisto tudo, mas tais reações fazem parte da dinâmica das mudanças históricas nas artes.

Agora, vamos ao resto – “last but not least”. A Lenda de Beowulf é a mais nova produção dirigida por Robert Zemeckis (de O Expresso Polar, animação em 3D da mesma natureza que “Beowulf”; Náufrago; Forrest Gump e a série De Volta para o Futuro). O elenco conta com atores de quilate do tipo de Anthony Hopkins, John Malkovich e Angelina Jolie. A história é a adaptação de uma graphic novel (romance em quadrinhos) escrita por Neil Gaiman, autor famoso da “nona arte” que também co-assina o roteiro do filme. Mas a obra em quadrinhos é, por sua vez, uma versão da antiga canção de gesta Beowulf (escrita entre os séculos 8 e 10 da era cristã), um dos mais antigos textos escritos em Língua Inglesa, numa forma pra lá de arcaica. Canção de Gesta é o nome dado a antigos poemas heróico-épicos escritos no início da Idade Média e que, posteriormente, darão origem às famosas Novelas de Cavalaria. Apesar do lado épico, o Beowulf do filme não é exatamente uma história para crianças. A obra literária é rica em temáticas shakespearianas como: as relações familiares e suas intrigas, questões políticas e religiosas (tal a cristianização da Escandinávia pagã).

O roteiro de Gaiman acrescenta algumas discussões mais modernas, como a diferença entre mito e realidade. Nesta história do grande guerreiro Beowulf, cabe aquela famosa frase de O Homem que Matou o Fascínora, de John Ford: “Quando a lenda se torna fato, imprima a lenda”. O filme de Zemeckis é ainda carregado de fortes conotações sexuais. Assim, há grandes diferenças entre o poema original e este filme, e é bom que o espectador saiba disso. No entanto, as diferenças são positivas. Principalmente na cena final, no que ela tem de dramaticamente ambíguo e no trabalho que faz do primeiro plano (lembrando que a exibição é em 3D) em tomadas múltiplas e lentas, contribuindo para o poder de ambigüidade e de sugestão. Aqui, o filme se aproxima de uma arte de nível efetivamente superior.

domingo, dezembro 16, 2007

O Preço de Um Homem


Muito já foi dito sobre a utilização que os faroestes de Anthony Mann fazem dos cenários naturais. Mas tal “utilização” – que vai muito além de uma mera utilização – é tão maravilhosa que nunca será demais falar mais um pouco disso. Em O Preço de Um Homem (“The Naked Spur”, EUA, 1953) a pequenina figura humana dos personagens, com suas mesquinharias, suas ganâncias, suas intrigas, suas mentiras, suas frustrações, seus medos, e principalmente suas lutas, contrasta magnificamente com a grandeza, a beleza pura e nobre da paisagem natural do centro-norte dos EUA, caracterizada por montanhas rochosas, florestas de coníferas e corredeiras d’água.

Muito se fala sobre o cenário como personagem em filmes. Mas é em Anthony Mann que esse recurso torna-se excepcional, com grande rigor formal, carregado de significado e de dramaticidade. Em “The Naked Spur”, mais do que um personagem ativo e independente, a natureza é manipulada estrategicamente como se fosse uma arma por cada pessoa ali na luta de uns contra os outros; da mesma maneira como se manipulam uns aos outros. No fundo, a natureza e o ser humano, no filme, não passam de instrumentos. Ainda no contraste entre a grandeza daquela e a pequenez deste, entre a beleza pura daquela e a feiúra moral deste, cabe no final da história uma ironia de ares moralizantes: é a natureza quem fica com o prêmio não-reclamado; só a terra (ou as águas) cobrará o preço de um homem. “Do pó vieste e ao pó retornarás.”

Assim, o tema mais profundo de O Preço de Um Homem é a relação deste com o mundo natural. Como nas grandes obras de arte, esse tema é encadeado significativamente com vários outros, como a relação dos homens entre si e suas ridículas questões humanas – ridículas se forem postas em perspectiva com as questões da ordem da Natureza, que é o que o filme faz o tempo todo, com grande beleza cinematográfica. No enredo, acompanhamos o drama de Howard Kemp (James Stewart), veterano da Guerra Civil que perdera a mulher e as terras. Ele está à caça do assassino fugitivo Ben Vandergroat (Robert Ryan), pois a recompensa de 5 mil dólares por sua captura – vivo ou morto – é o bastante para Kemp reaver seu rancho.

Nesta jornada, ele encontra um velho e frustrado minerador de ouro (Jesse Tate, vivido por Millard Mitchell) e o contrata para ajudar na busca pelo bandido. Logo em seguida, aparece um ex-militar, Roy Anderson (Ralph Meeker) – ainda vestindo o uniforme da Cavalaria – que vem de receber uma baixa desonrosa (por um comportamento moral “instável”). Os três acabam encontrando e capturando Bem, junto de uma jovem e inocente garota que o acompanha (Lina Patch – Janet Leigh). Quando Roy e Jesse descobrem o preço que tem a cabeça de Ben – informação essa que Howard Kemp tinha estrategicamente escondido – a verdadeira tensão começa. Assim, a viagem por montanhas de rochas íngremes, duras e escarpadas, atravessando corredeiras violentas e florestas escuras para levá-lo de volta a algum entreposto da civilização e entregá-lo à justiça (pela qual ele será enforcado) não ocorrerá sem alguns percalços, para dizer o mínimo.

O título original é bastante poético: “spur” denota “espora”, mas pode ter as seguintes conotações: impulso, estímulo, ambição, vaidade, incentivo, ou seja, algo que nos coloque em movimento assim como a espora ao cavalo. Desse modo, o título poderia se traduzir por: “O impulso nu”, “A ambição desnudada”, etc. Revelador, não? Porém, o título em Português é dotado daquela dramaticidade explícita, chocante e trágica comum em nomes de faroestes - basta lembrar de “Rastros de “Ódio” (The Searchers, ou, mais exatamente, “Aqueles que procuram”) ou de “Os Brutos Também Amam” (Shane, que é apenas o nome do protagonista). Aqui, temos “O Preço de Um Homem”, que, não obstante, já revela um dos aspectos principais da história: a reificação do indivíduo. Ben Vandergroat não é um homem de verdade, ele é apenas um saco de dinheiro para Howard Kemp e os outros. Exceto para Lina. No final, é a visão dela que prevalece. Boa parte da tensão dramática, incluindo os diálogos, é construída com base no fato de que Ben é, desde o começo, um cadáver ambulante – ou melhor, um cadáver carregado pelos demais (cadáveres também, em certo sentido). Ben já está morto, condenado desde antes de sua primeira aparição na tela. Toda a seqüência final torna-se incrível se pensada nesse contexto.

Os faroestes normalmente procuram mostrar o valor dos homens. Para Anthony Mann, os homens têm preço.