quinta-feira, outubro 18, 2007

El Topo


El Topo (“A Toupeira”) é um famoso e típico filme cult (famoso no underground, é lógico). Dirigida e estrelada pelo mexicano Alejandro Jodorowsky em 1970, a película, para lá de experimental, enquadra-se de modo exemplar dentro dos padrões da arte de vanguarda, juntando diversos registros culturais na expressão de uma mensagem muito bem definida. A mistura entre budismo, catolicismo, surrealismo iconoclasta e contra-cultura típica dos anos 60 dá o caldo ao filme. O bizarro assoma de diversas maneiras, seja na violência explícita, no apelo sexual-escatológico, no uso de atores anões e deficientes físicos (numa chave bem circense), no insólito dos acontecimentos e dos cenários. Também chama a atenção o aspecto performático-teatral dos grupos de atores em algumas cenas, fazendo lembrar alguma peça de Zé Celso.

O enredo, basicamente (se é que se pode fazer uma sinopse), gira em torno da peregrinação mística do pistoleiro El Topo – uma mistura de Clint Eastwood e Jim Morrison – pelas paragens áridas do velho oeste mexicano. O atirador, todo vestido de preto, é acompanhado nas diversas etapas da sua jornada de iluminação interior sucessivamente pelo filho de sete anos, por uma mulher misteriosa (Mara), e por uma anã – envolvendo-se amorosamente com as duas figuras femininas. A busca de El Topo envolve vinganças, desafios e atos heróicos de liderança e de resgate – promovendo a libertação física e espiritual de si mesmo e de outros. Mais exatamente, o filme se divide em duas partes. Na primeira, El Topo, como pistoleiro impiedoso, vinga o povo de uma cidade, assassinado e mutilado por uma gangue criminosa, e liberta outra cidadezinha da mesma quadrilha. Depois, tem que duelar com os quatro grandes mestres-de-armas, para se tornar o maior de todos os atiradores. Na segunda parte, arrependido de seus pecados, El Topo passa por um lento e sofrido processo de purificação, vindo a se tornar uma espécie de monge budista, líder de uma comunidade subterrânea de párias sociais. Sua missão é ajudá-la a chegar à superfície, saindo do exílio no interior da terra. No processo, liberta uma outra cidadezinha, dominada por uma seita cruel e pagã.

El Topo é um clássico de cineclubes e bootlegs (cópias não-oficiais em vídeo). É adorado por gente que vai de John Lennon a Marilyn Manson, incluindo o também bizarro David Lynch. Só este ano o filme teve lançamento oficial em DVD – no mercado externo, é claro. “A Toupeira” é considerado o pontapé inicial no movimento dos midnight movies no cinema (filmes de baixo orçamento, geralmente polêmicos, que eram exibidos tarde da noite, inicialmente na TV, e depois na tela grande). A famosa sala Elgin, em Nova York, foi o principal palco dessas fitas nos anos 70. Além da produção de Alejandro Jodorowsky (que lotou a sala por vários meses, existindo fãs que viam o filme todas as semanas), também se destacam: Targets (1968), de Peter Bogdanovich, uma história policial de cunho social estrelada por Boris Karloff; A Noite dos Mortos Vivos (1968), a pedra angular dos filmes de zumbis, de George Romero; o nosso Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, adaptação do clássico da antropofagia literária modernista de Mário de Andrade; Pink Flamingos (1971), que envolve fetiches sexuais, incesto, sadismo e cropofagia (ingestão oral de fezes de animais); The Harder They Come (1972), estrelado por Jimmy Cliff, este filme ajudou a popularizar o reggae nos EUA; The Rocky Horror Picture Show (1976), famoso musical de “terrir”; e, finalmente, Eraserhead (1977), debute de David Lynch. As sessões de “midnight movies” também ressucitaram com grande sucesso o libelo anti-maconha chamado Reefer Madness (1938), ridiculamente pleno de desinformação.

Muitos desses filmes, incluindo naturalmente El Topo, são verdadeiras experiências lisérgicas. Mexem muito com os sentidos e com a mente. Irreverentes, iconoclastas, experimentais, buscam arrancar do automático a nossa visão e o nosso pensamento, fazendo o espectador tomar – nem que seja de maneira desagradável – uma outra consciência das coisas. No fundo, é o que faz a arte de vanguarda. Pode não ser a arte definitiva, mas com certeza ela é muito necessária de tempos em tempos.


2 comentários:

Lorde David disse...

Onde você viu o filme? Baixou? Comprou o DVD? Lembro que este foi o primeiro filme exibido na então sessão dupla do Comodoro, no CineSesc, que teve os ingressos esgotados em minutos. Eu, claro, não consegui o ingresso, hehehe.

André Renato disse...

Um camarada meu baixou (vou perguntar pra ele de onde) e me passou uma cópia em DVD. Atualmente uso o programa U-Torrent pra baixar filmes e seriados. Costumo encontrar algumas coisas raras, atualmente tô baixando "Donnie Darko"...